Já se tinha lido que em Portugal há espiões zangados uns com os outros, que há espiões que vigiam o espião do lado, e até já se tinha lido que há agentes de espionagem contratados por empresas, sem se saber ao certo ao serviço de quê e a quem ficam obrigados. Mas saber abertamente que há espiões que vasculham a vida de jornalistas, ainda não. Pelo menos oficialmente… Sábado, dia 27, o semanário “Expresso” avançou a notícia de que um director do Sistema de Informações Estratégicas do Estado (SIED) terá tido acesso à listagem de todos os telefonemas feitos no telemóvel do jornalista Nuno Simas, do “Público”.
Como nos filmes
O jornalista é Nuno Simas que se remeteu ao silêncio e actualmente exerce funções de director adjunto de Informação da agência Lusa. De facto, ele escreveu muitos trabalhos no “Público” sobre os serviços secretos portugueses. Mas não há notícia de alguma vez ter sido desmentido ou desautorizado por via dos seus trabalhos, antes pelo contrário. É sabido que um dos segredos do exercício da profissão de jornalista é a sua fonte de informação. E é isso que preocupa alguns. Saber quem é que se atreve a contar uma verdade incontável a um jornalista. Ou seja: quem é que contou verdades incontáveis a Nuno Simas? Segundo a notícia do “Expresso”, foi um director da “secreta” quem recebeu informação detalhada dos telefonemas daquele jornalista. A ser assim, ilegalmente, sem registo oficial interno e utilizando um informador de uma operadora de telemóveis, o director do SIED ficou a saber com quem falou o jornalista, as suas fontes, e todos os “passos” que o jornalista deu ao telefone naqueles meses.
O segredo Excel
Mais do que escutar as conversas, o segredo está na análise sistemática do tráfego telefónico de um determinado número. Em folhas Excel (sistema informático) são anotados todos os telefonemas feitos por um determinado número de telefone. A partir daí é possível desenhar o universo de todas as pessoas com quem aquele utilizador conversa e, por consequência, conhecer a sua rede de contactos e os hábitos de todos os intervenientes. As horas a que falam, com que frequência, durante quanto tempo, em que dias, em que lugares, para onde vai o utilizador depois de falar ao telefone, etc… e a partir daí estabelecer um quadro de orientação comportamental do alvo.
Inquérito
“A Direcção do ‘Público’ já reuniu e entende que deve ser aberto um inquérito para apurar responsabilidades”, afirmou à Lusa a directora do jornal. O Governo já anunciou um inquérito. O caso “Camarate” teve nove inquéritos. Nos últimos dias, as notícias sobre a actividade dos serviços secretos e seus agentes têm enchido páginas de jornal. Mesmo sabendo que não são secretos, resta saber que serviços prestam.
As secretas no Portugal democrático
Na sequência do 25 de Abril, é extinta a Direcção-Geral de Segurança, herdeira da PIDE, e inicia-se um longo processo de criação de uma estrutura de informações estratégicas para o Estado. Logo em Agosto de 1974 foi criada a 2a Divisão, mas na sequência do 11 de Março de 1975 foi extinta. O Conselho da Revolução criou o Serviço Director e Coordenador de Informações (SDCI), que, por sua vez, foi extinto em 25 de Novembro desse ano. Aprovada a Constituição (1976), nasce o projecto de um Serviço de Informações da República (SIR) que aglutine as informações internas e externas de âmbito civil e militar. Foram desenhadas 19 versões mas nenhuma vingou. Em 1977, o brigadeiro Pedro Cardoso cria a Divisão de Informações (DINFO), mas o vazio no campo das informações não militares continua. A revisão constitucional de 1982 extinguiu o Conselho da Revolução e subordinou as Forças Armadas ao poder político, mas só em 1984 foi aprovada a Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). Ao longo dos anos, foram feitas inúmeras alterações, até que em 2007 é publicada a Lei no 9/2007 que “unifica as secretas” em torno do secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). A secreta passa a ter dois grandes departamentos: Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), virado para o exterior, e o Serviço de Informações de Segurança (SIS), virado para o interior. As áreas dos recursos humanos, finanças, apoio geral, tecnologias de informação e segurança ficam comuns a todos os serviços. O SIRP depende hierarquicamente do primeiro-ministro.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico