Já aqui o disse várias vezes: não gosto de falar do que não conheço. Mas, para o caso, pouco interessa que não conheça nem a personagem nem o programa de que falava há uns dias Joel Neto na sua crónica no “DN” (que leio religiosamente). O cronista referia que viu num concurso de talentos um cantor, ou aspirante, que já tem andado por outros programas do género, e que será já suficientemente “conhecido”. Um pouco à semelhança de Berg, ele será já um profissional das andanças. E, portanto, lá está ele outra vez, desconheço se a seguir em frente, se a ficar pelo caminho. Seja como for, lá está ele outra vez, o que desde logo nos diz que as suas inúmeras inscrições não têm conseguido o efeito desejado, senão andaria para aí mais ocupado em tournées, ou sessões de autógrafos. Não é o único. Do pouco que vou vendo, já me aconteceu ouvir o júri perguntar: eu já te vi noutro programa, não foi? E está visto que este movimento em que as televisões se imitam umas às outras, multiplicando entre si programas iguais, ou com a mesma raiz, fará com que os vejamos ainda mais vezes. Curiosamente, há gente que não consegue uma carreira (como a consideramos), mas vai fazendo carreira como aspirante a ter uma. Aqui falamos de música, talvez a mais telegénica, colorida e animada, mas poderíamos estender a interrogação a outras artes: é por aqui que aparecem artistas? E, sobretudo, dar nas vistas nestes concursos garante alguma coisa? Faz-me alguma aflição a expectativa que estes jovens (e já muitos menos jovens) colocam na coisa. Como me causa estranheza outra esperança, a daqueles que se inscrevem em cursos de escrita criativa, convencidos de que sairão de lá a saber como se produz afinal o grande romance que vai mudar a literatura. Repare-se, aliás, que insinuar que se consegue ensinar a criatividade é dos maiores embustes que as últimas décadas trouxeram, para encantar e desencantar jovens perdidos de vocação, ou gastar dinheiro aos respectivos papás. Não me entendam mal: não estou a negligenciar, e muito menos menosprezar o valor fundamental da educação, do ensino, do estudo. Mas se em muitos campos ele é democrático e prepara quase por igual os que o quiserem aproveitar, no campo da arte ele é apenas parte do tijolo e cimento com que se fará, eventualmente, um edifício artístico. A palavra, a essencial palavra, é talento. Oportunidade também, claro, sem a qual milhões de talentos ficaram por caves depressivas, mas sem o talento, o real, o que faz a diferença, o que marca a individualidade, então é que nada feito. A proliferação de concursos de talentos, esta moda de duas faces que alimenta as televisões que querem jovens a cantar, e os jovens que querem televisão para cantar, é a mais absoluta miragem dos tempos modernos. Na esmagadora maioria dos casos, dura enquanto dura, dura o tempo exacto do concurso e nada mais. Já houve os suficientes para se perceber que é assim. Mas continuam e continuam e continuam a inscrever-se. Como borboletas de roda da vela. E uma vela acesa não dura para sempre.
Moda de duas faces
A proliferação de concursos de talentos na televisão é a mais absoluta miragem dos tempos modernos