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“Eu mato-o”
“Lembro-me da minha mãe ter ficado muito mal. Lembro-me de ela ter caído para o lado e de ter ficado seis meses na cama. Pensei nessa altura: se a minha mãe morrer, eu mato-o!” E regressa o seu silêncio. Os sons chegados da sala contígua relembram-me que os amigos íntimos de Simone continuam a festejar os seus 77 anos de vida.
“Fugi!”
“É a primeira vez que estou a contar isto!”, exclama-me a mulher que quebrou convenções e se impôs a educar os filhos sem anunciar o pai deles. A mesma que gritou a plenos pulmões, aos quatro ventos europeus, “quem faz um filho, fá-lo por gosto!”. Essa mesma mulher, anos antes, ainda menina, recusou continuar a ser espancada pelo marido e quis divorciar-se. “Eu não me divorciei. Fugi! Estive casada três meses e depois fugi. Aquilo não era o que queria. Eu achava que a vida não era aquilo.” E o que era “aquilo” Simone? “Violência doméstica!”, responde, ensaiando um sorriso. Na altura, tinha outra leitura… “Não tinha leitura nenhuma. O que queria não sabia, agora ‘aquilo’ eu não queria! E contra possivelmente as instituições, a sociedade, talvez até contra os meus pais [o que não aconteceu], saí. Fugi!”
“Bater… quase a matar”
O silêncio que se ouve agora faz parecer que Simone revive os 57 anos que nos separam daquele dia. Mas que violência foi essa? A veterana atriz sorri de novo, desvia o olhar e verbaliza lentamente: “Bater!… Tentar… quase matar. E eu achava que não era aquilo que tinha visto em casa dos meus pais e dos meus avós. A primeira vez que aconteceu foi muito mau, a segunda foi muito mau, a terceira foi muito mau e à quarta eu disse: Não! Com a minha forma de ser, possivelmente, mais três, quatro anos, e tinha sido ao contrário. Teria sido eu que teria feito qualquer coisa que não queria fazer. Achei melhor fugir. E fugi!”
Agredida em público
“As pessoas que foram testemunhas na minha ‘separação judicial de pessoas e bens’ [ver caixa] foram as pessoas que viram: fui agredida em público. Por causa do ‘entre marido e mulher não metas a colher’, o que acontecia entre quatro paredes não era contável.” Essa pessoa alguma vez tornou a contactá-la depois da separação? “Telefonou-me três dias depois. Convidou-me para ir ao Éden, ao cinema. Ou seja, para ele não tinha acontecido nada? Não. Eu disse-lhe: Se a minha mãe morrer agora, eu mato-te!”
Jardins secretos
Mesmo para uma diva, mesmo para uma mulher de força e de coragem, foram precisos 57 anos para contar a “desfolhada” da violência doméstica de que foi alvo no primeiro casamento. Aos 77 anos de vida, que é que a diva terá ainda para revelar? “Todos temos jardins secretos. As flores que me deram ou que não me deram… Não há mais nada para contar. A vida foi extraordinária comigo!”
Obrigado, Simone de Oliveira!