1 É tão, tão portuguesa a mania de atirar culpas para o lado ou de culpar o chão que está torto, quando não sabemos dançar. Tenho assistido ao cortejo que, com gravidade solene, nos avisa que a culpa da abstenção nas próximas eleições será do futebol. Até o governo vem agora anunciar oficialmente, embora não saibamos se será para levar a sério, que esta bandalheira vai acabar. Regozijemos: está encontrado o pecado da política nacional. Aguardo com impaciência o dia em que se avance para o corte de todos os males pela raiz. Se o futebol leva à abstenção, porque não tornar também lei que em domingo de votos se fechem os centros comerciais ou se ergam vedações nos acessos às praias? E já agora porque não encerrar os cinemas, que mantêm as suas antidemocráticas sessões em dia de eleições? E os cafés, porque não? Assim se impediria que as pessoas ficassem por ali, nas esplanadas, em vez de irem votar. O raciocínio não só é pobre e transviado, como traz um problema adicional. Ao culpar mil factores de distração, os políticos escusam de assumir qualquer culpa nos números da abstenção. Pensemos nisto por um momento, por mais básica que seja a equação. Quando um cidadão quer votar no candidato em que confia vai deixar de o fazer porque há jogo de futebol? Quanto tempo dura o acto de votar ou a partida? O dia todo? Esta falácia já cheira mal e não só continuará como vai tornar-se ainda mais ridícula. Eu pensava que quem quer mesmo votar, quem sente que precisa de exercer o seu direito e dever, o fará. Os políticos acham que esse eleitor, coitadinho, se vai desviar da cabine de voto à mínima tentação. O que os políticos parecem não entender é que a sua atitude revela uma preocupante falta de confiança em si mesmos. Quem não vai votar já decidiu que não vota, seja ou não dia de futebol ou de parada de mulheres despidas na avenida. E as pessoas que não votam é porque protestam contra algo, ou não se sentem representadas por ninguém, ou já concluíram que não vale a pena. Quem não vota mostra o cartão amarelo aos políticos. Que em vez de se interrogarem porque não conseguem chegar aos eleitores, porque não conseguem convencê-los da importância do voto, culpam hoje o futebol, amanhã outra qualquer actividade. Já estamos a perceber como se vão escrever os discursos dos derrotados: nós ganharíamos, se não fosse o maldito Sporting-Porto.
2 Eu sei que o plágio é crime, está previsto na lei e tudo. Mas nem sequer vou por aí. O que me enoja no plágio é a vergonha alheia que sinto. Este último episódio com Tony Carreira é deplorável por muito mais do que uma razão. A questão, dizem-nos, não é nova. Já tinha aparecido há uns anos e reaparece agora por razões muito obscuras, oportunistas, como lhes chama Tony e amigos. Talvez haja aqui lutas de bastidores que nos escapam mas sinceramente não quero saber. Não é esse o foco ou não deveria ser. Esse é o foco de Tony Carreira, porque assim se varre para debaixo do tapete a pergunta essencial: as músicas com que enriqueceu são suas ou não? O próprio, nas suas “respostas”, parece admitir que não são, quando nos diz que essas questões “já ficaram resolvidas”. Sim, mas como? Porque pagou? Para continuar a enriquecer com canções que não lhe deram qualquer trabalho de criação? Esta não é resposta, parece-me, que encerre o assunto. Não vi nenhum jornalista sentar-se com Tony ao lado e ambos escutarem as músicas, trecho a trecho, para lhe perguntar: é igual ou não? Pelo andar da carruagem, isto vai ficar por aqui e Tony vai continuar a encher salas e o seu bolso. Talvez não seja ilegal. Mas também não é, certamente, de artista. Da canção, pelo menos.