Numa conversa sobre os seus 50 anos de carreira, Tozé Brito recorda os momentos que marcaram a sua vida. Com uma vida dedicada às canções, o produtor que lançou cantores e bandas como as míticas Doce, nasceu no Porto e veio viver para Lisboa aos 18 anos, notando claras diferenças entre as cidades.
Um dos motivos pelos quais deixou o norte do país foi por questões familiares, já que uma prima sua, Paula, que considerava como uma irmã, ficou em coma na sequência de um acidente de viação. “Nunca tive coragem para a ir ver nesses 21 anos. Quis ficar sempre com aquela imagem que tinha dela, nunca quis ficar com a imagem que sei que algumas pessoas ficaram depois de a verem com menos 20 quilos e em coma. Cada vez que ia ao Porto ia visitar os meus tios passava por lá e sentia quase uma vontade da parte deles que eu entrasse naquele quarto e a visse. Eles estavam sempre à espera de um pequeno milagre, que pudesse acontecer qualquer coisa e eu nunca fui capaz de o fazer. Foi muito duro para mim. A imagem que tenho dela é a mesma imagem que tinha na altura quando a vi pela última vez com muita saúde e cheia de vida. São algumas das memórias com que tenho de lidar, mas tento não pensar muito nisso…”
Reconhece ainda serem muitas as pessoas de quem gostava e não se despediu e, por isso, gravou no seu mais recente álbum uma frase em homenagem a todas essas pessoas, que diz simplesmente “peço desculpa a todos aqueles de quem não me despedi”, sendo simultaneamente, uma forma de o próprio se despedir dos outros porque acredita que “tudo tem um tempo”.
Abusado sexualmente por uma empregada, escondeu o assunto durante anos
Lembrou ainda um episódio que conta na sua biografia em que, aos 10 anos, sofre abuso sexual por parte da empregada da família. “Eu era tão novo que não percebi sequer o que se estava a passar (…) A empregada meteu-se na minha cama. Literalmente. Com 10 anos, não tinha nenhuma noção daquilo que ela pretendia”, recorda justificando que essa é uma razão para que a “educação sexual deve fazer parte da educação de qualquer criança para evitar choques como aquele que eu vivi e sofri.”
Não esquece a abordagem agressiva e durante muitos anos não falou do assunto. “Foi uma coisa puramente física, sexual, animal, o que lhe quiseres chamar (…) ainda por cima quando a pessoa tem o dobro da tua idade. Foi um choque”, lembra acrescentando que, mesmo sem nunca ter falado do assunto durante a infância, a empregada só ficou mais dois ou três meses na casa.
Apesar de o episódio infeliz, admite ser muito influenciada pelas mulheres da sua vida: a mãe, a mulher, as filhas e as namoradas que teve, distinguindo as portuguesas “que eram para casar” e as estrangeiras, que já durante a sua juventude, vinham a Portugal com uma perspetiva muito mais livre e descomprometida.
Casado há mais de 40 anos, não esconde que cometeu erros e que, durante dois, três anos, esteve separado da mulher, vivendo inclusivamente em casas distintas e fala daquilo que é mais importante para uma relação perdurar, nomeadamente a aceitação e o perdão mútuos, pautados pelo respeito.
Anos “loucos” de juventude
Não esquece o dia em que tirou dinheiro da carteira da avó para cortar cigarros a vulso, na mesma altura em que se encatava com as melodias de Beatles e deixava crescer o cabelo. O pai, atento, confrontou-o e, como reprimenda, além do pedido de desculpas cortou-lhe o cabelo, ato que resultou numa ida ao barbeiro no dia seguinte para rapar o cabelo.
Na sua juventude, fortemente ligada à música e marcada pelo advento das drogas, admite ter feito algumas incursões neste mundo, um pouco na esperança de que isto melhorasse (ainda mais) as suas capacidades criativas. “Fizemos as experiências que tínhamos de fazer, felizmente ninguém ficou ‘agarrado’”, recorda os tempos de juventude, lembrando ainda os episódios em que viu “porcos pendurados em árvores. Olhava para a jante de automóvel e via a cara do rato Mickey. Coisas perfeitamente loucas!”.
Sobre esses tempos acrescenta que as experiências com drogas que fez na esperança de ver um boost na sua criatividade em nada resultaram, pois muitas vezes, não só não melhorava, como ainda prejudicava as atuações, tornando-os de “tocar decentemente”. “Parte do grupo estava sob o efeito de drogas e outra parte não estava, que era o caso do José Cid, que eu nunca vi tomar nada na minha vida. Era e é super atleta. Para o Zé [José Cid] era muito complicado. Tivemos conversas em que ele me disse ‘se isto continua assim, acabou. Isto pára aqui e eu vou encontrar outras pessoas”, sublinha.
Defende ainda que tem tido sorte na vida e que é importante estar “no sítio certo à hora certa”, não acreditando contudo no acaso.