A terminar o ano, pensando no tanto que haveria para dizer sobre 2010, destaca-se a polémica mundial sobre a qual ainda não me tinha debruçado: o famigerado Wikileaks. É daquelas matérias que ameaçam não se esgotar este ano, muito pelo contrário. Devemos estar ainda no início de um longo processo, que traz algumas das maiores interrogações que a civilização moderna terá de enfrentar, porque muito se poderá alterar nas relações entre países, povos e instituições. A saber: estamos no caminho da morte dos segredos, ou será moda passageira? A primeira grande questão deixarei mais para o fim: penso que há segredos e há segredos. Dito de outra forma, há os que apenas nos fazem sorrir na sua inconveniência, e os que podem desencadear acontecimentos catastróficos, como aquela idiotice pérfida da revelação dos locais considerados estratégicos pelas forças de segurança dos Estados Unidos. Nunca se viu tamanho convite ao terrorismo, com oferta de menu e GPS… Mas o que o episódio Wikileaks veio demonstrar, se dúvidas houvesse, foi que os as ideologias, e mais concretamente, os partidos que as dizem defender, funcionam como um relógio suíço na sua reacção previsível e maniqueísta. O melhor exemplo é comparar os políticos ou pensadores das diferentes cores a adeptos ferrenhos de equipas de futebol, daqueles que acham sempre que a sua equipa foi roubada pelo árbitro em caso de derrota, ou que a sua vitória foi sempre justa e o adversário tem mau perder. Neste caso, a equação (e comparação) é simples. Os mais conservadores do mundo ocidental, o dito capitalista, deitam as mãos à cabeça e pedem a cabeça do fundador do Wikilieaks numa bandeja. Não gostaram de ver difundidas inconfidências, grandes ou pequenas, que atrapalham a paz podre de muita diplomacia. À esquerda, o júbilo, desenfreado, irracional e perigoso, entre gritos e vivas à "liberdade de informação". Porquê? Bom, essencialmente porque o movimento Wikileaks é sobretudo comprometedor para os Estados Unidos, e sabe-se como muitos destes arautos da liberdade comungam, no essencial, das ideias de um Kadahafi ou Saddam: os Estados Unidos são o Diabo, o Grande Satã que é preciso combater. Nem por um segundo parece passar-lhes pela cabeça que no caso das informações sobre locais estratégicos, é toda uma sociedade que corre perigo, e não apenas os "pérfidos capitalistas norte-americanos". Continua, aliás, a fazer-me confusão (para não dizer outra coisa) como no meio de tanta informação confidencial, não são revelados segredos que ponham em causa a Coreia do Norte ou a China (será que não os têm? São os únicos países do mundo que jogam limpo e não cometem desabafos inconvenientes?). Por fim, e não menos importante, é analisar o comportamento e postura do homem por trás da grande máquina de difusão. Julian Assange está longe de parecer um bem-intencionado impoluto. É, nitidamente, e basta visionar as suas constantes imagens na televisão, um homem que está a adorar o seu "momento", a atenção de que é alvo, que não consegue resistir a poses e gestos de rock-star que sorri para as fotos. Como se não bastasse, e a cimentar-me esta ideia, a recente notícia que me diz que vai receber quase dois milhões para escrever a sua historieta. Finalmente, uma interrogação. Há muita gente a louvar passos firmes da Justiça quando os visados não são da sua cor ou simpatia, com o argumento de que se a Justiça acha que há matéria para investigar e condenar é porque não haverá fumo sem fogo. Mas quando Assange tem às costas acusações da gravidade de umas violações, é apenas um pobre coitado perseguido. E a acusação, claro, uma simples invenção dos Estados Unidos. Enfim…tenha um ótimo 2011.
Capas
|Innterrogações de Fim de Ano
Continua a fazer-me confusão como, no meio de tanta informação confidencial, não são revelados segredos que ponham em causa a Coreia do Norte ou a China