Os anos passam e, em vez de me habituar, cada vez me espanto mais com a tinta e fita de gravação e cassete de vídeo que se gasta nas chamadas conferências de imprensa antes dos jogos de futebol. Abro uma pequena excepção para a importância ou relevância das flash-interviews depois dos jogos, pois pode bem acontecer que o jogo que acaba de terminar tenha um ou outro dado concreto que permita ouvir originalidades específicas. Mas tudo o resto, lamento, é tão previsível como dois e dois serem quatro. Poupava-se imenso em guardar para arquivo as habituais declarações de treinadores e jogadores; e assim era escusado enviar jornalistas a cada novo jogo. Bastava organizar as declarações e ir lá buscá-las. Porquê? Porque invariavelmente se ouve o que se segue: "Será um jogo bastante difícil, porque o nosso adversário vai entrar em campo apostado em dificultar-nos a manobra, mas achamos que o nosso espírito de grupo fará com que saibamos superar as dificuldades", "hoje em dia, como se sabe, não há jogos fáceis", "o favoritismo vê-se dentro das quatro linhas", há para aí certas pessoas interessadas em desestabilizar o grupo de trabalho, mas com concentração e determinação saberemos dar a resposta dentro de campo", "é certo que fulano e sicrano estão lesionados e não podem dar o seu contributo à equipa, mas os companheiros que vão jogar no seu lugar têm vindo a treinar com determinação e saberão dar igualmente o seu contributo, têm toda a minha confiança", "este resultado desfavorável não nos afecta animicamente uma vez que se trata de uma prova europeia e esta primeira mão é como se estivéssemos no intervalo do jogo", "é importante que o público saiba dar o seu contributo apoiando a equipa e não assobiando nos momentos menos bons", "compreendemos a insatisfação dos sócios, mas posso dizer-lhe que sou o primeiro a não estar contente e tudo faremos para mudar o estado de coisas", " foi uma vitória merecida, mas seria bom que os sócios não embandeirassem em arco, uma vez que ainda não ganhámos nada e daqui até ao final do campeonato todos os jogos são uma final", "vocês viram tão bem como eu que o penalti contra nós é mal assinalado, que o lance do primeiro golo do adversário é precedido de falta e que o árbitro por outro lado fez vista grossa a uma falta clara sobre o nosso avançado já no período de descontos, está mais do que visto que há jogadas de bastidores no sentido de não quererem que nãos vamos mais além, andamos a incomodar muita gente", etc,etc. É tão simples, agora era só escolher uma ou duas destas e está feita a reportagem, seja sexta, sábado ou domingo, seja Porto, Benfica, Sporting ou qualquer outro. O futebol é imprevisível? Só se for dentro do campo.
2- Em vésperas de Mundial na África do Sul, é preocupante a tensão social e política que se vai seguir ao assassinato de Eugene Terre-Blanche, líder histórico da ala mais radical da racista supremacia branca. As ameaças já andam pelo ar, com promessas raivosas de vingança. E não será de estranhar que algumas acções esperem pacientemente pelo campeonato, na altura em que o mundo inteiro terá imagens diárias do país. Era imprevisível um homicídio tão perigoso nesta altura? Sim…e não. Porque os problemas de organizar uma prova desta dimensão na África do Sul nunca se poderiam resumir a eventuais problemas logísticos ou atrasos na construção de estádios.
A FIFA sabia, ou deveria saber, que escolheu jogar o mundial num barril de pólvora. Que até pode estar adormecido por uns tempos, como os maiores vulcões, mas que pode acordar quando menos se espera. Eu disse quando menos se espera? Que estupidez…Se está para lá previsto um Mundial de futebol, é quando mais se espera.