Tinha já enviado a minha última crónica quando os protestos de Valência se agudizaram. Mas, ainda que chegue atrasado, não queria deixar de me pronunciar sobre o triste espectáculo a que chegou a revolta (ainda que legítima) por causa dos horários do centro de saúde. Este é o primeiro ponto, e importante: não me cabe ajuizar da justeza dos protestos, ou colocar grandes dúvidas quanto à sua origem. O problema, como em tantas outras coisas da vida, é procurar uma destrinça entre conteúdo e forma. E é aqui que acho que os utentes de Valença foram longe demais. Manifestações, marchas lentas, punhos erguidos, indignações perante as câmaras de televisão? Dentro da normalidade, chamemos-lhe assim. Já não havia necessidade de encomendar centenas de bandeiras espanholas e empunhá-las, ou pendurá-las à janela, numa espécie de desistência passiva de pátria. Há dois problemas no episódio das bandeiras, igualmente graves: ou as pessoas não se apercebem da dimensão do triste espectáculo que encenaram, ou, pelo contrário, tinham noção exacta do nível de provocação que escolheram, mas isso nunca os fez recuar. Há uma interrogação muito básica que não sei se o leitor fez: lembra-se de alguma outra ocasião, na história recente, em que habitantes de um país tenham brandido bandeiras de um outro país, sobretudo vizinho, com o significado óbvio de cuspidela na sua própria pátria que isso simboliza? Eu não, não me recordo. Não é de estranhar que os próprios espanhóis tenham aberto a boca de espanto perante tanta bandeira do seu país no país vizinho, aonde se deslocaram para um breve período de férias e/ou compras. Dói bastante (não há outra palavra) ver a praça forte de uma cidade que representou sempre uma resistência feroz à ocupação entregar de mão beijada o símbolo da autonomia e independência. Duas questões escaparam aos valencianos, ou pelo menos aos que diziam falar por eles, as eternas auto-denominadas comissões de utentes: primeiro, uma questão de motivo e proporcionalidade (os protestos por um horário de centro de saúde serão sempre pequenos para a dimensão daquele gesto); e o esquecimento maior, não perceber que a bandeira NACIONAL nos pertence a todos, e não pode ser usada por um qualquer grupo, sem
reflexão adequada. Por esses dias não tive, como nunca tenho, vergonha de ser português. Mas tive vergonha por aqueles portugueses que se entregam assim a impulsos que não medem.
2- Na ressaca do congresso do PSD, onde Passos Coelho apareceu já como líder eleito (e praticamente incontestado), as sondagens indicam de imediato uma aproximação laranja à rosa que se mantém no poder. Pode dizer-se que Passos Coelho conseguiu em poucos dias o que Ferreira Leite não conseguiu em quase três anos: parecer que poderia roubar o poder ao PS, se de repente houvesse eleições. Mas este é naturalmente uma período de graça, pleno de intenções e discursos proactivos. Que há uma nova imagem do PSD, parece notório, a começar pela própria imagem física do líder, passando pelos chamamentos de unidade na composição das suas diversas equipas. Mas começa agora, também, o período em que o PSD vai ter de provar que consegue passar rapidamente do que parece para o que realmente é. E o que realmente é, ou vai ser, é o que cá estamos todos para ver, curiosos, independentemente da cor partidária.