Tenho dois filhos e adoro-os. São das poucas pessoas por quem daria a vida, sem hesitar. Sobre os sentimentos de pai, estamos conversados. Mas nunca o facto de ter filhos me levou a anular-me, ou a deixar de viver a minha vida. Entre outras razões, porque penso que as crianças devem ver nos pais pessoas completas e realizadas, com identidade própria, que não esteja subjugada ao facto de serem pais. Ser pai é uma das vertentes da minha vida, sem dúvida das mais fortes; mas não é o que me define. Começo por dizer isto porque sou obrigado a assistir, cada vez mais, a pequenos espectáculos deprimentes. Adultos que se comportam como crianças, na ânsia de agradar aos filhos, ou de cumprir o que viram escrito num qualquer artigo que traz instruções para lidar com os pequeninos. Ou pior; aqueles homens e mulheres que deixam, voluntariamente, de ser homens e mulheres, para passarem a ser apenas o papá ou a mamã. Se dúvidas houvesse, é ouvi-los a falarem diante da criança. Referindo-se um ao outro, já são apenas o pai e a mãe. "Ó pai, podia ir buscar um guardanapo, que o bebé tá todo sujinho", Ó mãe, a mãe vai querer mais salada? O pai não se importa nada de ir buscar".. Para mim, é patético, mas há que ver que se trata apenas de seguir a tendência. Afinal de contas, ter um bebé (coisa que acontece desde o início dos tempos) transformou-se agora em notícia. Fulana está grávida, fulano e sicrana esperam o segundo filho, fulana anda enjoada nos primeiros meses de gravidez, sicrana quer parto natural… Depois dos nascimentos, as novidades continuam, com destaque para as declarações de papás e mamãs que anunciam, para nossa grande surpresa, "que um filho traz mudanças à nossa vida"…A sério? Ainda bem que algumas estrelas partilham esta experiência connosco, ou poderíamos nunca vir a sabê-lo. A lamechice pegada seria apenas patética, se não trouxesse contornos graves de uma nova discriminação: rapariga em idade parideira que não tenha ainda filhos é bombardeada com perguntas: então quando engravida? Que se passa? Não vê o tempo a passar? E as estrelitas lá se vão sentindo na obrigação de responder. É natural: a maioria vive nas revistas e através das revistas. E não me parece, genuinamente, que a alguma delas ocorra que ninguém, muito menos uma revista, tem nada a ver com uma das decisões mais importantes das nossas vidas. Como também não me parece que alguém deste circo se lembre que há pessoas, homens e mulheres, que pura e simplesmente não querem ter filhos. Que talvez não o confessem porque esta medíocre sociedade hipócrita, por mais mascarada de moderna que ande, ainda olha para este tipo de decisão como quem olha para um bandido. Uma estrelita que não tenha filhos a partir de certa idade é uma fonte que seca. Ocorre-me isto quando leio uma página de jornal com Mónica Sofia, antiga cantante de uma girls-band, que dividiu também os seus atributos numa revista erótica, casada com um rapaz-modelo; pertencem já àquela categoria cada vez mais densa no país, as-pessoas-que-são-famosas-porque-são-famosas-embora-já-ninguém-recorde-muito-bem-porquê-mas-também-ninguém-se-interroga. Mónica e marido descobriram um novo filão. Mãe há um ano, diz Mónica que sempre quis preservar a filhota desta voragem da fama. Parece-me bem. Mas eis que a mesma me informa que uma vez que a filha já fez um ano, "a partir de agora é lógico que a Mia faça uma produção para as revistas". Repare que escolhe a palavra "lógico". Aquilo que não levanta interrogações, por ser tão óbvio. Mas espanto-me porquê? Para quem vive de aparecer, mostrar-se em "produções" e contar-nos a sua vidinha e "projectos", é perfeitamente natural que coloque já a filha a seguir a tradição de família, mesmo que a miúda não tenha qualquer voto na matéria. A inocente Mia não sabe, mas cabe-lhe manter a chama acesa. Do casamento dos papás, não sei. Do casamento dos papás com as revistas, certamente.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico