1 – Não era preciso grandes dotes de adivinho, mas previ-o na semana passada, com o título "aí vamos nós outra vez": eleições antecipadas, quase quase de certeza. Porque digo quase? Porque os actuais políticos portugueses têm sido pródigos em surpresas, nascidas de meias-palavras. Sócrates tem dito que não serão precisas mais medidas de austeridade, e elas sucedem-se, todavia. Passos Coelho anda a ameaçar que está farto, mas tem deixado passar a caravana que critica. Será hoje? Tudo indica que sim. Mas, à hora a que escrevo, tenho ainda uma nesga de dúvida. Passos Coelho foi o primeiro a reunir-se com Sócrates, na ronda com os partidos antes de o PEC ir à Assembleia. À saída, a determinação do costume: não ajudaremos o governo, basta. Mas…a minha pergunta é: isto basta, para dar como favas contadas que o PSD não deixa o PEC passar? Pergunto isto, escaldado de outras afirmações bombásticas. Ou seja: eu só não teria dúvidas se Passos Coelho fosse ao português directo ao coração e à cabeça: votaremos contra, sem margem para dúvidas ou hesitação. Mas não foi isto que disse. Disse-me que não ajudará o governo, mas ajudará o país. Bonito de dizer e ouvir, mas…o que significa, ao certo? Terei eu escutado a brisa de uma nesga de possibilidade de ver o que vi no Orçamento? O PSD critica , furioso e indignado, mas pesa prós e contras para o país, e deixa passar, virando as costas, que é como quem diz, abstendo-se de aplaudir, mas sem dar um murro na mesa? Bem sei, bem sei, seria totalmente inadequado perante o que Passos Coelho tem dito na última semana, e certamente faria com que o partido lhe caísse em cima, farto de tanta indecisão e ameaça inconsequente. Mas a política portuguesa tem-me ensinado que não devemos concluir nada em definitivo até ao final da coisa. Por isso, caro leitor, o mais certo, quase definitivo, é que a partir de hoje começamos a pensar em eleições, mas se isso não acontecer, não caio da cadeira de espanto.
2- Vi o anúncio uma vez, e não liguei. Vi segunda, e pareceu-me haver ali qualquer coisa de estranho. À terceira, vi que ainda há muito que me surpreende: algo de muito estranho se passa na cabeça de empresas, agências de publicidade e consumidores. A publicidade em causa louva o papel higiénico. Ou melhor, o que resta depois dele, aquele tubo de cartão onde se enrolava. Eu tenho por hábito, e pensava que era um cidadão normal, atirar a coisa para o lixo, que é onde pertence. Destino-lhe, vá lá, o esforço de a juntar a outros papéis e cartões, para depois cumprir o dever cívico e ecológico de o deitar o no papelão para reciclagem. E o que me diz este novo anúncio? Que sou um tótó, e me dou a trabalho desnecessário. Para quê pegar na coisa, deitá-la no lixo, se podemos, calmamente, dar-lhe a mesma morada do papel que o envolvia? Exacto: sanita com ele. Estamos à vontade, porque a marca em causa inventou um rolo que, em vez de entupir a sanita, desfaz-se rapidamente e não nos dará problemas. Extraordinário. Extraordinária inutilidade, digo eu. Faz-me lembrar as recorrentes reformas do ensino, que tornam os exames sucessivamente mais fáceis, para que os alunos, como o mesmo nulo esforço, os possam fazer. Em vez de lhes explicarmos que estudar dá de facto trabalho, mas que só assim se evolui e aprende, rendemo-nos à imbecilidade e à preguiça, nivelando os exames pela mediocridade imediatamente abaixo. Pobre lógica de vida, que já chegou ao papel higiénico. Nunca me aconteceu, mas há pelos vistos uma multidão, pelo mundo fora, que atira o rolo de cartão para a sanita: deitá-lo no lixo é uma trabalheira. Deve ter sido esta multidão que deu aos iluminados da empresa a ideia de fazerem um rolo que lhes dê menos trabalho. E a empresa foi nisso, como se vê. Dar educação às pessoas, convencê-las aos gestos mais comuns de higiene, referir-lhes que aquilo não se deita na sanita? Dá muito trabalho. E assim, como em tanta coisa da vida, como em tanto do que se passa na televisão, por exemplo, "ouve-se a voz do consumidor" e dá-se-lhes o que querem. Ainda que o que querem perpetue, tantas vezes, a estupidez, ignorância, preguiça, desleixo, falta de horizontes e de higiene. O que é que isso interessa quando o melhor para o negócio é nivelar por baixo e continuar a facturar?