“Contou-me que tinha matado a Joana, o Ivo e a outra pequena.” Foi assim que Antónia (nome fictício) relatou a confissão que diz ter ouvido a Francisco Leitão. A conversa foi tida durante uma das muitas visitas que fez ao “Rei dos Gnomos” no Estabelecimento Prisional anexo à PJ, em Lisboa (EPPJ). Apesar de morar na região Oeste, Antónia desloca-se a Lisboa com frequência para tratamentos médicos e é nesses dias que visita o “Rei dos Gnomos” na prisão. São amigos há mais de cinco anos. Antónia, a irmã de Francisco Leitão e o próprio. Esta mulher afiança que a irmã dele deixou de o visitar e que era ela “quem lhe restava. Levava-lhe alguma roupa, comida e deixava-lhe sempre dez euros”, conta. É natural que fosse com Antónia que o Ghob desabafasse. “Ele tem um carinho muito grande por mim e confia muito em mim”, explica a mulher de 49 anos. Até que lhe confessou. “Contou-me que tinha matado a Joana, o Ivo e a outra pequena. Foi uma coisa à base de ciúme que ele teve”, conclui. Antónia é casada, tem três filhos, dois maiores. “Perguntei onde é que ele tinha os corpos mas enunca me disse. E perguntei-lhe também pelo outro senhor de idade [o “Pisa-Lagartos”] que tinha desaparecido e ele deu-me um ar de riso.” A visita habitual de Francisco Leitão na prisão diz que ele está “um bocado em baixo, nervoso. Nunca vi o Francisco assim tão nervoso, tão diferente como eu o conheci da primeira vez”. E diz que já ninguém visita o “Rei dos Gnomos” na prisão. “A irmã não o visita, o cunhado também não e eu faço o mesmo porque tenho medo. Como ele afirmava que aquilo era uma máfia, foi nessa altura que disse que nunca mais ia lá vê-lo”, exclama. “Então eu agora saio daqui e vou falar à Judiciária, e ele agarrou-me no braço e disse: Não faças isso porque podes ficar em perigo, tu e os teus filhos!” Antónia já prestou depoimento na PJ e esta polícia já comunicou os detalhes que apurou ao Ministério Público (MP). Aguarda-se agora decisão do MP. Mas Antónia diz que continua com medo. “Não me sinto mais segura. Tenho mais medo ainda”, disse.
Cassete guardada dois anos
Os juízes e os outros presentes na sala de audiência espantaram-se quando ouviram um guarda da GNR confessar que guardou durante dois anos uma cassete com imagens de Francisco a ter relações sexuais com Ivo. A cassete foi entregue na GNR por uma mulher. O guarda explicou aos juízes que a guardou no cacifo por achar “uma brincadeira”. No seu depoimento, o guarda da GNR, vizinho de Ghob, entrou em diversas contradições. Desde logo porque, assim que Leitão foi preso, o guarda se encarregou de entregar a cassete à PJ. Os juízes perguntaram ao guarda se nunca achou nada estranho na casa da Carqueja e no comportamento de Ghob, com tantos jovens… O guarda resguardou-se, dizendo que cada um é senhor em sua casa. Só não soube explicar porque teve tanto tempo uma multa para dar a Ivo, se afinal confessou que o viu conduzir em contramão, num momento, e num outro disse não o conhecer muito bem, e num outro ainda disse ter a certeza ter visto Ivo ou o diabo por ele.
Abusos sexuais registados
Francisco Leitão foi constituído arguido num novo processo, agora suspeito de mais de 500 abusos sexuais a menores. Quem o acusa são os seus próprios “gnomos”. Cerca de uma vintena de jovens acusam agora o seu ex-rei de ter praticado actos sexuais com menores desde 2006 até ao dia em que foi preso (2010). Os jovens que acusam Leitão foram seus (“gnomos”) seguidores e só conseguiram falar depois daquele ter sido preso. Um dos rapazes contou ter sido sodomizado mais de 400 vezes. Algumas vítimas já foram avaliadas no Instituto Nacional Medicina Legal de Lisboa (INML). Mas, além das perícias do INML, há documentos em que ficaram registados os actos. As vítimas eram forçadas a anotar as vezes que eram sodomizadas, quando e por quem, nas orgias em que participavam com Leitão, no Castelo da Carqueja. Além dos registos descritivos das orgias, escritos pelos próprios “gnomos”, a PJ apreendeu diversos vídeos. Alguns dos jovens que participaram nestas orgias já depuseram no tribunal onde Francisco Leitão está a ser julgado pela morte e desaparecimento de três outros jovens adultos. Um deles foi Luís, o ex-namorado de Joana, a menor que deu origem a toda a investigação que desaguou no julgamento que está a decorrer em Torres Vedras, com tribunal de júri.