
O chamado caso BES trouxe todos os ingredientes para a mais portuguesa das nossas incongruências: a bipolaridade. Não há nada a fazer. Viveremos eternamente entre a euforia e o desespero, a angústia e o sorriso fácil, a propensão para o drama e a preguiça do deixa andar um dia de cada vez. Quando se trata de saber o que pensamos, afinal, dos outros, então é um festival de amor e ódio, de jura de vingança eterna e perdão choramingas. Somos assim no amor e na amizade. E assim somos com quem não nos é nada, mas vamos conhecendo pela exposição pública. Vemos um tipo na televisão, ou umas entrevistas numa revista, e achamo-lo ridículo e convencido. Até que um dia o conhecemos num qualquer jantar de amigos comuns, trocamos um diálogo inesperado, e já o achamos, afinal, um tipo porreiro, gajo muito simples e interessante. Ou aquela que idolatrávamos, a quem sempre seguimos a carreira com devoção (e uma pontinha de inveja), que personifica, afinal, o que ambicionávamos ser. Mas quando a conhecemos ela não correspondeu com muito entusiasmo ao nosso entusiasmo. Passa a ser uma estúpida vaidosa. Nas últimas semanas, o objecto predilecto do palpite português chama–se Ricardo Salgado. Para os mais atentos, já andava poeira no ar há muito tempo, ventos de suspeita de que qualquer coisa não andaria bem para as bandas de um dos homens mais poderosos do País. Ainda assim, de certeza que meio país ficou de boca à banda quando estoirou a notícia: Salgado detido, presente ao juiz, libertado só se pagar a mais astronómica caução de sempre. E logo um tornado de “vingança” varreu o País. É dado histórico, e não exclusivo português: a queda dos poderosos liberta muita adrenalina entre os que não o são. Não faltaram, pois, as declarações inflamadas, os pedidos para que se leve isto até ao fim, que o malvado tem de pagar pelas trafulhices e fraudes (de que é, por ora, “apenas” acusado e não culpado). Uma notícia desta magnitude deixa nos povos, inevitavelmente, um mal disfarçado sentimento de alegria, quanto mais não seja por perceber que mesmo o mais poderoso dos homens pagará, se tiver de pagar. Um completo destrambelhamento emocional, está bem de ver, em que se mistura tudo, quando os factos do escândalo interessam menos que a sede ancestral de ver os ricos apanhados numa qualquer teia da Justiça. Um exagero, sem dúvida. E foi bom ver e ouvir quem viesse pôr alguma água na fervura “revolucionária”. Não fosse o exagero contrário… Já lá vamos. Gostei da racionalidade pragmática de quem classificou o caso como um grande desafio para a Justiça portuguesa. Quem se interrogou porque só foi Salgado detido e a sua detenção tão exibida quando já se iniciara o prenúncio da sua queda. Ou seja, agora será “fácil” fazê-lo passar por isto e aquilo, quando já não é o Dono Disto Tudo. Foi importante ouvir que a sua detenção e multas está a ser um espectáculo mediático que a Justiça está a gostar de agitar. Mas… sendo tudo isso muito certo, ocorre-me que poderemos cair rapidamente no lado oposto. E que daqui a pouco Salgado seja apenas visto como um perseguido por juízes injustos e panfletários, sedentos de sangue. E que se esqueça que, afinal, é suspeito de crimes de dimensão catastrófica. É preciso calma. Dos dois lados. E apurar a verdade, rapidamente.