Crime sem castigo I
Sobre os 284 casos estudados pelo INSA (2010-2013), não há notícia de fiscalização posterior, investigação ou procedimento criminal. Já quanto às mortes, ocorridas este mês, causadas pelo surto de legionela, o Ministério Público (MP) abriu recentemente um inquérito às mortes e às suspeitas de crime ambiental. A decisão pode ter pecado por tardia, pois tudo começou a 18 de Outubro e houve mortes que não foram autopsiadas, ficando documentadas apenas com relatório médico. Também o uso de cloro nas limpezas de algumas fábricas, feitas já depois de o surto ter começado a fazer vítimas, pode baralhar a investigação.
Crime sem castigo II
Com perdas de vida e afectação de saúde pública, pode haver crime ambiental por negligência. Para isso, o regime contraordenacional prevê coimas que podem chegar aos 5 milhões de euros, mas “não há memória de condenações por crimes de dolo ambiental”, lia–se quarta, 12, no “Expresso” online. A afirmação é de Ivone Rocha, especialista em Direito do Ambiente. Se se provasse que o surto se devia a crime por negligência, a multa poderia chegar aos 5 milhões, explicou. Mas é preciso provar, estabelecendo o dano e a causa. Coisa que na área do ambiente é muito difícil. Cá e no estrangeiro. Veja-se o naufrágio do “Prestige” na Galiza (2001), que provocou um enorme dano ambiental e acabou com a absolvição dos responsáveis. Na responsabilidade penal, as multas também podem ultrapassar os cinco milhões de euros, mas a dificuldade na prova é a mesma…
Crime sem castigo III
Na zona de Vila Franca de Xira, as autoridades já confirmaram em várias fábricas a presença da mesma bactéria que afectou mais de 300 pessoas. Nem o Ministério da Saúde nem o do Ambiente revelam mais. Escudando-se em novas análises por fazer e no segredo de justiça. Em verdade, as empresas são obrigadas a constituir garantias financeiras para cumprirem as manutenções e enfrentarem cenários de risco ou situações de dano. Estas garantias financeiras são obrigatórias desde 2010, mas não há quem confirme se o fazem nem quem o reporte às autoridades. De acordo com Carla Graça, vice-presidente da Quercus, as restrições orçamentais no Ministério do Ambiente têm levado a que haja cada vez menos fiscalizadores no terreno. A lei de responsabilidade ambiental 147/2008 não está regulamentada. As auditorias obrigatórias acabaram em 2013, sem que outra forma de inspecção tenha sido criada.
O terceiro maior surto
Nos últimos nove anos, morreram 86 pessoas em mais de 1000 infecções detectadas em Portugal. Neste surto, há já oito mortes confirmadas, em 317 casos detectados. Um drama só ultrapassado (em números) pelo caso que deu nome à doença (EUA, 1976), com 221 casos e 34 mortos. Em 1999, na Holanda, foram infectadas 181 pessoas e faleceram 20, na Bélgica, faleceram cinco dos 93 doentes infectados num surto nesse mesmo ano. Já em 2013, na Alemanha, em 160 casos notificados houve duas mortes.
Riscos
A doença atinge especialmente os fumadores, pessoas com mais de 50 anos, com doenças respiratórias, alcoolismo, diabetes, cancro, insuficiência renal, ou outras doenças que provoquem diminuição de imunidade (quimioterapia, p.e.) ou que imponham medicação com cortisonas. Afecta três vezes mais homens do que mulheres. Não existe vacina. Caso os antibióticos falhem, pode levar ao internamento. Na sua forma aguda, pode conduzir à morte.
Sintomas
Tosse, febre e dificuldades respiratórias são os sintomas, que, como se percebe, podem ser confundidos com uma pneumonia. A doença pode ser detectada através de testes rápidos e depois em testes laboratoriais.
Falsos negativos
O diagnóstico é um problema. Desde logo porque deste bacilo há cinco grupos, mas só uma estirpe se pesquisa – a Legionella pneumophila. A despistagem é feita num teste rápido à urina. Acontece que muitos destes testes dão negativo e posteriormente, através de outros testes mais aprofundados, detecta-se que a bactéria está activa no doente. A Linha Saúde 24 (808 24 24 24) tem atendimento especialmente dedicado a esta doença: esta semana atenderam 400 chamadas sobre legionela por dia.
Caso confirmado
Quando o doente apresenta um quadro clínico de pneumonia e pelo menos um de três critérios laboratoriais: isolamento de legionela nas secreções respiratórias, detecção do antigénio na urinas ou anticorpos de legionela em duas amostras de soro sequenciais.
“Grande emergência de saúde pública”
A expressão é do porta-voz da Organização Mundial de Saúde (OMS), Christian Lindmeier, citado pela agência de notícias France Presse, que na terça-feira, 11, em Genebra, Suíça, disse que este é “o maior surto de doença dos legionários em Portugal e é considerado uma grande emergência de saúde pública”.