Sócrates sabia. O último sinal que teve foi quinta-feira, 20, quando recebeu em Paris um telefonema do seu filho em Lisboa. O jovem deu-lhe conta que foi visitado por inspectores que lhe apreenderam o computador pessoal, sem o terem detido, ou sequer constituído arguido. O ex-primeiro-ministro hesitou. Poderia ficar em Paris e partir dali para qualquer parte do mundo, aterrando num país sem acordo de extradição com Portugal. Teria dinheiro (ao que se diz) que chegava para viver e esperar pelo andar do processo. E teria tido tempo suficiente. O mandado de detenção internacional demora dias e não é tão fácil burocraticamente de executar.
Erros deles, má fortuna I
Sócrates sabia. Naquela mesma quinta-feira (20 de Novembro), o seu advogado, João Araújo, voou para França, conforme contou ao “Expresso”. Em Lisboa, ao longo dessa noite (de quinta para sexta) decorreram as prisões dos outros três arguidos, desfasadas nas horas. Se tivesse decidido ficar em Paris, Sócrates teria sabido tudo o que a polícia tinha ou queria de si. É que, em Lisboa, uma vez presos, os outros três arguidos seriam ouvidos e, portanto, teriam acesso ao processo. E assim, na Cidade Luz, o socialista saberia de tudo primeiro e só depois viria (se e quando quisesse), desmontando desde logo a hipótese do perigo de fuga. Erro da operação, má fortuna da decisão de Sócrates.
Erros deles, má fortuna II
Sócrates sabia. Tinha viagem marcada nessa quinta-feira para Lisboa. Os inspectores aguardavam-no. Ainda fez o check-in, mas à última hora não embarcou. No aeroporto, os inspectores aguardaram-no em vão.
Procurar saber em Lisboa porque é que um passageiro com check-in feito em Paris não viajou deu nas vistas. Adeus ao segredo. Se alguém violou o segredo de Justiça, a primeira “violação” correu a favor do antigo governante. Quando o ex-primeiro-ministro se encontrou em Paris com o seu advogado (sexta-feira), os três outros arguidos já estavam presos. Advogado e cliente terão ponderado tudo, mas “a decisão de voltar foi dele. Regressou para ser preso”, contou o advogado João Araújo ao “Expresso”. Pouco passava das 22.30 h, de sexta-feira, 21 de Novembro. Sócrates aterrou em Lisboa e foi preso. Estavam cá todos à espera. Televisões, jornais e polícias.
Sócrates sabia
Pelo menos desde 31 de Julho último, quando foi publicado na “Sábado” que estava a ser investigado. Nessa altura, a revista noticiava que o Ministério Público (MP) o mantinha sob vigilância há meses e que ponderava detê-lo.
Publicamente, Sócrates classificou a notícia como “uma verdadeira canalhice”. Passaram os meses. Três dias antes de ser preso, almoçou em Lisboa com Pinto Monteiro, antigo procurador-geral da República no tempo em que ele foi primeiro-ministro.
Preso preventivo
Uma das convicções dos investigadores, provavelmente alicerçadas nas escutas feitas ao ex-chefe de Governo, era que este saberia estar a ser investigado e tencionaria destruir provas no seu regresso de Paris. O risco da perturbação do inquérito e o perigo de continuação da actividade criminosa terão sido os motivos que levaram o juiz Carlos Alexandre a mantê-lo preso preventivamente. Por indícios de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
Legítima defesa
A detenção e prisão do ex-primeiro-ministro foi publicada, analisada e comentada em todos os meios de comunicação social nacionais e estrangeiros. Agora, alegando legítima defesa, o preso preventivo no 44 do Estabelecimento Prisional de Évora, José Sócrates Pinto de Sousa, 57 anos, escolheu o semanário “Expresso”, o diário “Público” e a rádio de informação TSF para fazer a sua defesa pública. Ao telefone com o jornal disse: “Só deixa de ser livre quem perde a dignidade. Sinto-me mais livre do que nunca”. Às redacções do “Público” e da TSF, fez chegar uma carta onde considera “absurdas, injustas e infundamentadas” as suspeitas que o MP lhe aponta, afirmando que o seu caso “tem também contornos políticos”. E garante que irá “desmentir as falsidades lançadas (…) e responsabilizar os que as engendraram”. Quando? “Conforme for entendendo.”