Primeiro, quem nos “critica” por falarmos apenas de mulheres e pelas mulheres, quando se sabe que há homens vítimas de violência doméstica. Sim, há, sem dúvida. Mas sejamos sérios: são uma minoria, comparado com a esmagadora maioria de mulheres. Mas, acima de tudo, há que referir que a canção já existia antes de ser o hino da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima). Foi concebida assim, e nunca pretendeu ser um sumário das situações de violência. Aliás, se assim fosse, teríamos também de incluir na letra os idosos maltratados pelos filhos ou as crianças que também são maltratadas dentro da família. Por favor: não me digam que ao olhar para uma fotografia do Sebastião Salgado, que retrata uma criança faminta no Burundi, lhe vão exigir que ponha na mesma foto os que também passam fome na Índia ou no Chile. Uma canção não é a análise de um problema, é uma expressão artística que tem de ter um foco, senão perde força de mensagem.
Houve, depois, os que reagiram dizendo que a canção é muito bonitinha, mas que não há de resolver nada. A estes respondo que sei que não resolve, mas que pode ajudar a alertar aqueles que talvez possam resolver alguma coisa. Mas respondo sobretudo isto: o que de certeza não resolve nada é estar em casa ao computador, sem fazer nada por ninguém, mas muito apressado a criticar quem pelo menos tentou fazer alguma coisa.
Finalmente, houve pelo menos uma senhora que resolveu insultar a letra. Diz ela que a letra é uma vergonha, entre outros termos que não vou reproduzir, que se vê logo que não foi escrita por uma mulher, e que ela se recusaria a cantar palavras como humilhada, cansada, escrava, já sem força, etc. Nunca perceberei quem reduz a arte ao género, um clássico feminista. Saberá que Chico Buarque, um homem, fez as mais belas letras para mulheres cantarem? Outra tristeza: presumir que descrever um estado de espírito ou sentimento é fazer a apologia desse sentimento. Finalmente, o que soa a absoluta ignorância sobre o que fala: milhares de mulheres emocionaram-se, precisamente porque a canção resumia o que sentiram tantas vezes. Mas esta senhora acha que a letra devia ser um panfleto cliché da mulher muito corajosa que não admite uma chapada e queima logo o soutien e outros lugares-comuns, tão fáceis de dizer quando não se passa pelo horror. Acima de tudo, ela insulta as mulheres maltratadas, porque insinua que uma mulher que se sente assim, como a canção descreve, não é uma mulher de coragem. E esse insulto, de mulher para mulheres, é grave.