O meu início de carreira fez-se no jornalismo desportivo. Sei, até hoje, que foi uma extraordinária escola, de jornalismo e televisão. Sei, até hoje, que apesar de ter já 25 anos de SIC, praticamente tudo o que sei trouxe da RTP, e do seu Centro de Formação. Foram anos de grande entusiasmo e alegria, a viver experiências que nunca esquecerei. Mas também é verdade que ao fim de alguns anos veio um cansaço. E uma desilusão. No início, o futebol e as suas guerrinhas têm piada. As polémicas são o sal do fenómeno. O problema é quando se passam constantemente as marcas, e o futebol se torna o pior exemplo. Em resumo, cansei-me de tanta agressividade, e de tanta cegueira clubística. Até hoje acho extraordinário como pessoas de trato fino se transformam em hooligans a discutir futebol. Até hoje acho extraordinário ouvir ou ler essas pessoas, para quem o seu clube é sempre roubado pelos árbitros, pretender convencer-nos de que falam numa qualquer posição “objectiva”. Se calhar acreditam mesmo nisso, mas isso faz parte da cegueira. Mas se isto foi sempre assim, infelizmente, receio que ainda se encontre margem para baixar o nível. Não se trata aqui de portistas, benfiquistas, sportinguistas, ou arsenalistas e axadrezados. O tipo de mentalidade é absolutamente idêntico, e traz em si aquele perigo constante de dividir o mundo entre o “nós” (que somos óptimos) e os “outros” (que são umas bestas). Aliás, a um nível ainda mais perigoso, onde é que temos ouvido este discurso, recentemente…? Pois. O mais importante, e triste, é que isto é transversal. Ninguém, absolutamente ninguém está isento de culpa. Só de memória mais fresca, retenho a vergonha do lançamento de foguetes luminosos para o relvado da claque do Benfica em Santa Maria da Feira, um artigo do presidente do Porto que mais não é do que um incitamento à “vigilância” sobre as arbitragens. Mas nada me preparava para o discurso de vitória do presidente do Sporting. Parece-me espantoso, quando vence com expressão esmagadora. Quando, mais do que nunca, os números parecem provar a sua força dentro do clube. O que lhe deveria transmitir a serenidade dos poderosos pareceu acender um rastilho de agressividade nervosa. Quando se esperava um discurso magnânimo, de superioridade, Bruno de Carvalho cedeu à grosseria mais rasteira. Fala-se muito de Trump e seus seguidores, e do seu discurso de ódio, que nunca leva a lado nenhum. Bruno de Carvalho queria enaltecer a união sportinguista, mas escusava de o fazer com palavras de ódio, e directo e indisfarçável, aos outros clubes, que nem eram ou deveriam ser para ali chamados (a festa era só verde e branca). Fê-lo, ainda por cima, com asneirada de taberna, e não adianta tentar explicar que estava a homenagear o seu tio-avô Pinheiro de Azevedo, que não só falava num contexto “um pouco” mais importante do que o jogo da bola como estava numa posição de responder a agressões, e não de as começar. O “badamerda” para vocês todos, os que (coitados) não são do Sporting, continuará a ecoar durante algum tempo, em representação infeliz do nível a que podemos, ainda, chegar. Pobre futebol, que podia ser uma festa constante para esquecer amarguras da vida.
Rodrigo Guedes de Carvalho: Pobre futebol
Quando se esperava um discurso magnânimo, de superioridade, Bruno de Carvalho cedeu à grosseria mais rasteira.