
Édo conhecimento público mas vou repetir, para que não reste uma dúvida. Sou muito próximo da Bárbara Guimarães, conheço-a desde sempre, vi-a crescer, é como uma irmã mais nova. Sim, fui testemunha por ela, no julgamento contra Carrilho. Não porque tenha testemunhado qualquer agressão mas porque acredito, sem hesitar, na sua versão. Os julgamentos são também feitos disto. Acredito nela e não acredito nele, sei como ela me apareceu, a pedir ajuda e conselhos, quando a sua vida se tornou insuportável, e o escândalo ainda não rebentara. Agora que, mais uma vez, a minha posição é cristalina, gostaria de abrir o leque a uma questão mais vasta, porque o caso Carrilho-Bárbara é apenas um entre milhares de relatos agoniantes. Por exemplo: preparo-me para escrever esta crónica, folheio uns jornais e dou de caras com um taxista que assassinou a mulher, com devido aviso de antecedência a amigos: maior premeditação é difícil. E podia ir aos jornais de outra semana, do último mês ou do ano passado. E acho que, infelizmente, concluo que posso ir aos jornais do futuro. E porquê? Porque não é difícil adivinhar que vai continuar e não é preciso ser mago para desconfiar que tem a ver (não só mas também) com o artifício da pena suspensa, para já não falar dos que nem sequer isso carregam aos ombros. Por outras palavras: não é preciso ser um apoiante da pena de morte para sentir que o castigo que é leve o que espera os condenados por violência sobre as mulheres, que na maior parte dos casos são mesmo assassinos. O sorriso tranquilo de Carrilho após a sentença, quando calmamente responde aos jornalistas apenas para poder declamar aos microfones que a ex-mulher é alcoólica, esse sorriso já o vimos a outros condenados pelos mesmos crimes. É o sorriso do encolher de ombros, é a tranquilidade de saber que a monstruosidade do crime que tenham cometido acaba por compensar. Uma pena suspensa, depois de um tribunal dar como provados factos arrepiantes e ameaçadores, é um salvo-conduto para a continuação do crime. Sim, eu sei que em muitas sentenças há a proibição de o condenado se aproximar a menos de não sei quantos metros da vítima, mas vamos falar a sério, por favor. O mesmo se passa com os incendiários, os que o tribunal manda para casa com “obrigação de apresentação periódica às autoridades”, e os que chegam a tribunal e são condenados a mais isto e aquilo mas… com pena suspensa. Vejamos a coisa com um olhar simples: quem fica com pena suspensa continua por aí, à vontade. Os crimes têm características diferentes, os de violência sobre as mulheres e os de fogo posto são, por natureza, continuados. Significa que são cometidos uma e outra e outra vez. Enquanto a legislação e os juízes continuarem assim, são as vítimas, não os criminosos, que ficam, talvez para sempre, com as vidas suspensas.