Sou, como é sabido, um feroz defensor dos direitos dos animais. Qualquer relato que me chegue de abandonos e maus-tratos a bichos enche-me de um desejo de vingança agressiva que é muito difícil combater. Sou, no entanto, totalmente compreensivo com quem não gosta muito da presença de animais. Atenção: são coisas diferentes. Uma coisa é maltratar um animal e essa pessoa está riscada da minha lista para sempre, outra é uma pessoa não querer a presença do animal dos outros. Porque tem medo, porque a enerva, por questões de higiene. Não interessa. Qualquer pessoa tem esse direito, de fazer a sua vida normal e não ter que ser incomodada só porque alguns de nós têm animais e os querem levar para todo o lado, e querem, quase exigem, que todos gostem deles como nós. É por isso que aceito e concordo que as praias mais cheias e concessionadas devem estar interditas a animais. É por isso que, seja qual for a lei, não levarei a minha cadela para dentro de restaurantes. Levo-a por vezes a esplanadas, o que é completamente diferente, e faço questão que fique sossegada e não importune ninguém que demonstre não querer sequer que a cadela chegue perto. Dito isto, que deixa clara a minha posição, vamos ao outro lado da moeda. Nestas férias, numa bela praia cheia de gente, livre de bichos, e portanto de potenciais porcarias, vi pelo menos três crianças fazerem alegremente o seu xixi na areia, pertinho de outras toalhas, e perante o sorriso dos papás. Calculamos que o xixi da criancinha é mais limpo do que o do cão… Recentemente, por causa da onda de calor, fizemos no Jornal da Noite uma intervenção em directo da praia de Carcavelos, que à hora de jantar ainda estava repleta de banhistas. Enquanto a repórter falava de calor e banhos e temperaturas e blá blá, uma imagem começava a ganhar forma, impossível de esconder ou de não ver: a praia parecia uma lixeira a céu aberto. Pacotes de tudo e mais alguma coisa, garrafas de plástico, garrafas de vidro, cascas de fruta, beatas de cigarro. Tudo, absolutamente tudo o que pertence a um caixote de lixo estava na areia. Já nem peço cuidados com a reciclagem, embora nunca tenha percebido o que custa separar o lixo e colocá-los nos depósitos que até têm cores diferentes… Já espero tão pouco que nem vou por aí. Dar-me-ia por satisfeito se verificasse que os humanos, providos de inteligência e informação, depositassem o lixo nos caixotes que sabem perfeitamente para que servem. E esta é a grande questão. Nada disto é, ou foi alguma vez, uma questão de falta de informação. É uma questão da mais básica, perigosa e enervante má-educação e falta de civismo. É, também e na essência, a prova acabada de que a esmagadora maioria das pessoas se está a marimbar para os outros. E a esmagadora maioria das pessoas, está mais que visto, votaria Trump, o presidente que nos diz que o aquecimento global não existe e que as preocupações com o planeta são exageradas. O problema é, de facto, com tantas proibições para bichos, esquecermo-nos do animal mais perigoso e selvagem.
Rodrigo Guedes de Carvalho: Quem são os bichos, afinal?
Nestas férias, numa bela praia cheia de gente, livre de bichos vi pelo menos três crianças fazerem o seu xixi na areia.