Já lá vai o ano velho, mais um que entra. Não sou dado a balanços, muito menos aos que se medem pelo calendário. Mas aproveita-se o virar da página, naturalmente, para pensar no que passou e no que pode vir aí. Do que passou, sou agradecido. Será talvez da idade mas cada ano sou mais agradecido. Aprende-se a relativizar e, sobretudo, a identificar os verdadeiros problemas que nos rodeiam. Sou agradecido às coisas mais simples, começando pela mais importante. Tenho saúde, bem como a grande maioria dos que me são mais queridos. E isto, ao observar tantas curvas cruéis da vida, é a bênção maior. Não sou rico mas tenho o que chega e sobra para saber que vivo acima da média. Faço por merecê-lo mas não me esqueço nunca de ter os pés assentes na terra, o que faz com que me queixe muito pouco. Até aqui, se repararmos bem, estas duas vantagens andam juntas. Caso a vida me trocasse as voltas no trabalho de que tanto gosto (lagarto, lagarto…), tenho a vantagem de ter saúde para enfrentar novos obstáculos e aventuras. O ano que terminou permitiu-me lançar um novo romance, um ano depois do anterior, e com isso provar que estou aqui para ficar na minha paixão literária. Gosto do reconhecimento, admito, que é cada vez maior e mais transversal, mas gosto sobretudo da plenitude que sinto, ao poder viajar livremente nas asas da imaginação pura, e aí, tantas vezes, poder dizer ou defender o meu mais íntimo, o que me está vedado na minha profissão. Foi também o ano em que os meus filhos, já com 27 e 25 anos, entraram no mercado de trabalho, cada um na sua área tão distinta, e há um indisfarçável orgulho e conforto de pai. Estarei sempre aqui para o que precisem mas é bom saber que começam a ter as suas próprias armas de sobrevivência. Para mim, profissionalmente, esta passagem de ano acaba por ser a mais significativa em 26 anos. Sim, 26 anos. Porque nos preparamos para a mudança de edifício, vamos abandonar a casa onde vivemos desde a fundação da SIC. É curioso que há exactamente um ano nenhum de nós tinha a certeza de que isso aconteceria agora, finalmente, tantos foram os imponderáveis das obras e respectivos atrasos. Mas agora sim, agora é de vez. Está tudo a ficar pronto e dentro de semanas terei de me habituar a outro quotidiano, começando logo por um novo trajecto de carro a fazer todos os dias. Vamos lá a ver se não me engano nos primeiros tempos… Esta mudança da SIC, estou a aproveitá-la como uma metáfora da minha própria vida. Depois da natural nostalgia em antecipação, a angústia de se largar o que já se conhece, estou agora entusiasmado com a perspectiva do novo, recomeçar, traçar novos objectivos, fazer novas amizades. Talvez não tenha sido por acaso que esta mudança me tenha aparecido com esta idade, quando muitos começam a pensar nas suas monotonias, a imaginar que a sua vida não se alterará muito até ao fim dos dias. Que venha o futuro, que me sinto pronto.
Rodrigo Guedes de Carvalho: Que venha o futuro
Preparamo--nos para a mudança de edifício, vamos abandonar a casa onde vivemos desde a fundação da SIC.