Interpretar a estudante Camila mudou para sempre a vida de Carolina Dieckmann. Quando começou a gravar ‘Laços de Família’, com apenas 21 anos, a atriz lidou com a responsabilidade de protagonizar uma novela em horário nobre e de interpretar uma personagem escrita por Manoel Carlos especialmente para ela. Em entrevista, Carolina Dieckmann recorda o processo de construção da personagem, as lembranças das gravações – principalmente o momento em que Camila descobre que tem cancro e rapa o cabelo, cena que entrou para o rol dos momentos mais antológicos da televisão brasileira – e o isolamento social nos Estados Unidos.

A novela ‘Laços de Família’ está a ser exibida na Globo de segunda-feira a sábado, às 22h20. O público vai poder assistir à emblemática cena na terça-feira, dia 17 de fevereiro.

‘Laços de Família’ está a ser exibida no Brasil e em Portugal. Que lembranças é que esta novela traz?

Muitos sentimentos bons. É uma novela que me traz diversas lembranças fortes, de um momento em que eu estava escolhendo essa profissão. Embora já tivesse feito alguns trabalhos como atriz, eu tinha acabado de ter o meu primeiro filho, estava cheia de dúvidas e questionamentos, tentando entender o que eu ia querer fazer dali em diante e ‘Laços de Família’ veio como um chamado para eu realmente me reconectar com a profissão de uma maneira muito forte. E para mim foi definitivo. Foi ali que eu entendi o que é ser uma atriz. Entendi o ofício, o tamanho da entrega, foi esse o trabalho que me apresentou à profissão como algo que eu estava escolhendo fazer. Até ali eu me sentia escolhida, porque tinha passado em testes, eu não tinha tanta consciência do que era a profissão. Será uma grande alegria rever a novela e tentar identificar os sentimentos que estão presentes na minha atuação.

Como foi o processo de construção da Camila, principalmente para o momento em que ela fica doente?

O processo de construção da Camila vai muito de encontro ao universo do Maneco (Manoel Carlos), a ambientação no Leblon que é muito forte nas novelas dele, e o universo de uma jovem criada nesse bairro nobre da Zona Sul do Rio, que estuda do exterior. Um universo muito particular que não fazia parte da minha vida e precisei entender. Eu fui criada em Santa Teresa, no Centro do Rio, em outro contexto, comecei a trabalhar muito cedo, enfim, a Camila era diferente de mim nesse sentido e com o universo ao redor muito distinto, muito particular, que é o da Zona Sul carioca. Ela teve um amadurecimento durante a trama até o momento em que fica doente, é um personagem com um arco dramático muito forte, onde acontecem muitas situações, e ela vai se transformando significativamente. Ficou muito presente o amadurecimento da Camila e a diferença gritante de como ela começa e como termina a novela.

A cena em que a Camila rapa o cabelo é umas das mais emblemáticas da teledramaturgia brasileira. Ainda é impactante relembrar esse momento?

Essa cena sempre vai ter um impacto grande para mim, pois envolve muitos outros sentimentos. Meus medos e inseguranças, orgulho de ter enfrentado tantas emoções fortes sendo tão nova…tenho muita memória emotiva em mim. Esse momento ficou gravado na minha trajetória como um rito de passagem, uma iniciação. E fico mais realizada ainda que a cena não tenha sido forte só para mim. Às vezes a gente faz cenas que são muito impactantes para quem está fazendo e para quem está no set, mas, quando ela passa na televisão, não tem essa mesma força. E eu fico muito feliz que essa cena, com essa importância para minha vida e carreira, tenha sido também tão marcante para várias pessoas.

Foi a cena mais marcante da novela?

Sim. Foi a cena que veio logo depois de uma cena também muito marcante, quando cortaram o meu cabelo por dentro para parecer que eu estava perdendo cabelo. Foi quando a personagem entrou de uma maneira física em mim, ali eu encontrei fisicamente com a Camila. Eu sinto que ela estava mais forte do que nunca, e isso passou para cena, não fui só eu que senti. Acho que todo mundo que vê a cena identifica que tem ali um encontro físico da personagem com a atriz.

Imaginava que a cena teria tanta força para o público quando foi gravada?

De forma alguma, pois era uma gravação para a campanha de doação de medula óssea. Por isso ela tem uma história contada como um rito de passagem, uma transformação com início, meio e fim. Não estava planejado muito antes que a Camila iria raspar a cabeça, então não tinha muita expectativa em cima, o pedido para mim na cena era só ficar séria, mas, quando eu me dei conta, estava muito emocionada. Eu não estava me vendo, então não chorei porque estava ficando careca, mas sim porque estava muito entregue ao momento da personagem.

Como foi enfrentar toda a fase da doença da Camila?

Todas as cenas a partir do momento em que a Camila se descobre doente foram muito difíceis. Primeiro, porque eu era muito nova, nunca tinha tido contato com pessoas com câncer. Não conhecia ninguém que tinha enfrentado a doença, nem da família, nem amigos. Foi um choque perceber a fragilidade humana através de uma doença como essa, interpretar e interiorizar o sofrimento para fazer as cenas. Hoje é muito interessante relembrar como eu atravessei tudo isso como atriz.

A quais fatores atribui o sucesso da novela e da sua personagem?

Eu acho que as novelas do Maneco sempre tiveram muito sucesso porque falam do cotidiano de uma maneira muito íntima, simples e fácil de identificar. Essa crônica do dia a dia é irresistível. E falando dessa novela especificamente, acho que o drama da doença da minha personagem de fato é muito forte, mas a abordagem da trama sobre uma mãe e uma filha que se apaixonam pela mesma pessoa era muito interessante, e as tramas paralelas, como a da Capitu (Giovanna Antonelli) e da Íris (Deborah Secco), também eram muito intensas e deliciosas de acompanhar.

Como foi o retorno do público na época da novela? No início algumas pessoas resistiam à Camila por ter ficado com o namorado da mãe?

O começo da novela para mim foi muito impactante. As pessoas logo começaram a me odiar, e a internet estava ganhando muita força naquela época. Existiam sites de pessoas dizendo que odiavam a Camila e nas ruas brigavam comigo. Isso foi muito forte e depois que eu fiquei doente foi ainda mais forte por um outro lado. As pessoas olhavam para mim e me abraçavam, choravam, ainda mais quando fiquei careca. Elas vinham falar de pessoas da família que estavam com câncer, a troca nessa novela foi a mais intensa de todas as novelas que eu fiz.

Como está a sua vida nos Estados Unidos? Continua em isolamento social?

É o primeiro momento desde que comecei a passar algumas temporadas nos Estados Unidos que eu não sinto que estou fora do Brasil. Sigo firme no isolamento, então, não faz muita diferença onde estou. Estou em casa como todo mundo que pode estar e sinto que o grande aprendizado é reaprender a viver sob novas condições, e isso vai desde as coisas mais simples, como colocar uma máscara, lavar as mãos até a entender as necessidades reais que a gente tem. Quais são os desejos que temos e como isso tudo precisa ser modificado e aprimorado. Acho que o grande aprendizado é adaptar-se a uma realidade que talvez não seja tão passageira na humanidade. Estamos todos aprendendo muita coisa com tudo isso.

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