Dias depois de se saber que Ljubomir Stanisic se vai sentar no banco dos réus e responder pelos crimes de corrupção ativa e desobediência, o nome do chef sérvio volta a destacar-se e não é pelos melhores motivos. O programa da SIC do qual foi anfitrião, “Hell’s Kitchen”, foi alvo de 13 participações na ERC, a entidade que regula os meios de comunicação social. As queixas reportam à primeira edição do formato que foi exibido na estação de Paço de Arcos entre março e junho de 2021. Doze delas provêm de espectadores do programa e uma participação veio da parte da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, uma entidade que está integrada na Presidência de Conselho de Ministros. De referir que muito recentemente este órgão interveio noutra situação que ocorreu num programa de grandes audiências. Concretamente, interpôs uma queixa no Ministério Público por violência doméstica de Bruno de Carvalho contra a namorada, Liliana Almeida, ambos concorrentes de “Big Brother Famosos” (TVI).
Preconceituosos e humilhantes
De acordo com o que consta nas participações descritas na deliberação do Conselho Regulador da ERC, “o programa incentiva de forma clara a perpetuação de estereótipos de género que apenas magoam a causa e a luta pela igualdade, entre vários momentos do programa da SIC, destacam-se os seguintes: a divisão de equipas por género, fomentando a competitividade homem contra mulher”. Além disso, a certa altura, e perante uma cena de desentendimento na equipa feminina, o narrador profere a frase “vamos ver se as mulheres se entendem”, o que do ponto de vista de quem fez a queixa valida “a errada ideia social de que as mulheres não funcionam bem em equipa. Essa ideia foi também referida pelo apresentador, ao afirmar que elas não tinham espírito de equipa porque não parabenizaram uma colega que teve a melhor nota num prato”.
Uma das participações contra o programa defende que “Hell’s Kitchen” “divulga e promove uma linguagem e comportamentos sexistas. Desde logo separando os/as concorrentes por sexo o programa promove uma visão binária que potencia visões e comentários estereotipados sobre aquilo que se entende ser um homem e uma mulher”. Além das críticas à produção, que estará na origem da escolha da divisão das equipas por género, as queixas também são feitas diretamente a Ljubomir Stanisc. “O chef, ao longo do programa, faz vários comentários sexistas e preconceituosos sobre os/as concorrentes. Comentários que incentivam e perpetuam a discriminação em razão do sexo e humilhantes em razão daquilo que este considera ser um comportamento de homem ou de mulher”.
Outro dos episódios que chocou os espectadores que fizeram as denúncias foi quando o chef disse a uma concorrente que ela tinha jeito para coisas moles por ter confecionado umas batatas fritas pouco crocantes. Nesse instante, “a produção faz questão de filmar a reação dos colegas homens, que se riem perante esta alusão sexual”. De acordo com a deliberação da ERC, não foi só às mulheres que o chef dirigiu, alegadamente, comentários menos próprios. Ao ver que um concorrente se ri da expressão “coisas moles”, decide tecer sobre ele a seguinte consideração: “És um gajo de espírito de altos e baixos, ris, choras, ris, choras, ris, choras. Já tive namoradas menos complicadas”. Segundo o documento, “a linguagem utilizada pelo apresentador não acrescenta valor/informação/aprendizagem, tendo apenas como objetivo a humilhação dos concorrentes”.
Linguagem grosseira
“O tipo de linguagem usada neste programa por quase todos os intervenientes é do pior que eu já vi na televisão portuguesa nos últimos anos. As piadas são de um vazio absoluto recorrendo sempre ao machismo, racismo e homofobia”, pode ler-se numa das participações em que o denunciante sublinha que, não tendo sido emitido ao vivo, haveria espaço para a “censura das centenas de palavrões ditos por diversos intervenientes ao longo da emissão”. Embora, segundo consta da deliberação, os palavrões tenham sido ocultados com um sinal sonoro (à exceção de m****), “são variadas as situações em que Ljubomir Stanisic se dirige aos concorrentes recorrendo as expressões que poderão, de acordo com um padrão de avaliação que remete para a valoração do homem/mulher médio/a, ser consideradas grosseiras”. No documento pode também ler-se que “o apresentador utiliza uma linguagem não apropriada para um programa de televisão” e que em “Hell’s Kitchen” “só se ouve asneiras, a essa hora ainda existem crianças de pé”.
A brasileira que se despe
De acordo com uma das queixas à ERC, as escolhas da produção denotam “uma clara tendência sexista”, nomeadamente no que toca à “apresentação estereotipada da candidata brasileira que, tendo tido uma carreira de modelo, é apresentada de robe que deixa cair junto ao salto”. Para quem fez esta denúncia, “não faz sentido, na época em que vivemos, continuar a explorar uma imagem datada, errada, diminuída, objetificada e sexualizada da mulher na televisão em horário nobre”. Quanto a este ponto, em sua defesa, a SIC contrapôs todas as acusações e explicou que “é valorizado o percurso da candidata enquanto cozinheira, sendo que é assim que a mesma se apresenta, e, só depois, concluindo a sua apresentação, é feita referência ao trabalho que realizou durante 20 anos enquanto modelo”. A estação de Paço de Arcos rebateu todos os pontos das queixas e o Conselho Regulador deliberou que “não se observaram indícios de desrespeito pela dignidade humana” nem foram “ultrapassados os limites à liberdade de programação”. Porém, esta não foi uma decisão unânime entre o Conselho Regulador, uma vez que um dos seus membros votou contra, pois, em seu entender, o Conselho “não se distancia nem sequer esboça a necessária crítica à linguagem inadequada e boçal destas edições do programa Hell’s Kitchen” e do seu protagonista, o chef Stanisic”.