Que num primeiro dia, ou numa primeira fase, todos os jornalistas corram a cobrir uma manifestação de empresários de carrosséis, parece-me compreensível. Qualquer notória alteração de ordem pública merece enquadramento e oportunidade para os promotores se justificarem. Mas este carrossel está a ultrapassar todos os limites.
Em primeiro lugar, não há um dado ou facto novo desde o primeiro dia, que não seja ouvir uma lengalenga sobre as terríveis inspecções que o governo pretende fazer: como se fosse uma coisa absurda apertar a vigilância a um sector responsável por inúmeros acidentes, alguns deles mortais. Ainda mais importante, é a questão do condicionamento. Estas marchas lentas e ruidosas provocam um caos no trânsito, afectando milhares de pessoas que não têm nada a ver com o assunto. Bem sei que os proprietários dos carrosséis dizem que o objectivo é exactamente esse, provocar uma confusão que leve o governo a ouvi-los (ou melhor, a vergar-se às suas condições). Acontece que tudo na vida tem tempo e modo. Se a maioria da população consegue suportar um ou dois dias disto, há que dizer frontalmente que já chega. Sendo que qualquer eventual capital de simpatia que esta "luta" pudesse ter no cidadão comum já se desvaneceu certamente, para dar lugar à mais básica (e compreensível) irritação. É mais um dos casos que põe à prova a capacidade de decisão dos responsáveis pela informação, sobretudo a televisiva. Estes manifestantes de lição bem estudada não param de telefonar para as Redacções, a informar onde estarão e o que pensam fazer. E as televisões lá vão, para mais uma reportagem igual à anterior. Ou seja, quem está verdadeiramente a editar os jornais das televisões sãos os carrosséis. Enquanto assim for, enquanto os jornalistas, na angústia de perderem qualquer coisa se não forem ao local, continuarem a ser cúmplices de uma luta que já só trabalha para o boneco ( só se concretiza se houver televisões a filmar), continuaremos num círculo vicioso que serve mais os carrosséis do que a Informação, ou, sobretudo, o espectador.
2- De forma diferente, o mesmo se passará muito em breve, com as já famosas imagens dos túneis de acessos aos balneários do futebol. Aconteceu em Braga, aconteceu agora na Luz: quando começa o zum-zum sobre cenas de pancadaria no túnel, é uma questão de tempo até uma qualquer mãozinha as colocar ao dispor da comunicação social. Imagens de vigilância que só deveriam ser acessíveis à polícia ou autoridades desportivas têm acabado por aparecer nos jornais e nas televisões, demore um pouco mais ou um pouco menos. Ora se isto é assim, não me espantaria muito que os habituais intérpretes destas cenas (jogadores, árbitros, dirigentes, polícias, seguranças) comecem a adaptar-se aos novos tempos, que é como quem diz, a aproveitarem para também aí manipularem um acontecimento. Como? Bom, basta pensar naqueles "teatros" que fazem alguns jogadores em campo, sendo o mais clássico aquele jogador cuja equipa está a vencer, leva um toquezinho no pé (longe do árbitro) e atira-se para o chão, a contorcer-se com dores, como se estivesse às portas da morte, o que cumpre dois objectivos: enerva o adversário e atrasa o jogo. Se continuar esta tendência de divulgação de imagens que deveriam ser mantidas secretas, não nos admiremos de ver jogadores no túnel a perceber onde estão as câmaras, para poderem ampliar ou escapar de uma cena (em qualquer dos casos, manipular). É irónico que ver imagens, que seria o mais perto possível de ver a realidade, venha a ser, afinal, ver mais um teatro.