Crespo referia uma conversa do primeiro-ministro, sem perguntar ao próprio se confirmava ou desmentia. Discordo da decisão do Jornal de Notícias, uma vez que uma crónica não é uma notícia, nem tão-pouco uma reportagem. A crónica leva assinatura, muitas vezes com foto a acompanhar, e só compromete o seu autor, concorde-se ou não com o que ele diz. Por questão de coerência, não considero, pois, que o cronista do Diário de Notícias, Nuno Azinheira, devesse ter-me ouvido quando, numa crónica da semana passada, falou do meu nome para, por coincidência, referir precisamente faltas de coerência. A crónica é a sua opinião, que pode defender sem ouvir ninguém. Mas permitam-me que também aproveite o espaço da minha crónica para colocar uma nova perspectiva à questão levantada por Nuno Azinheira. Em traços largos, a sua crónica interrogava-se sobre a presença do vencedor do Ídolos no Jornal da Noite. Porquê? Porque, aqui há uns anos, a mesma Direcção de Informação da SIC havia criticado a TVI por dar tempo de antena no seu principal jornal a concorrentes do Big Brother, nomeadamente o rapaz que deu um pontapé na companheira de programa e, mais tarde, o vencedor do concurso. Raciocínio do cronista do Diário de Notícias: a SIC criticou na altura, e agora faz o mesmo. O meu raciocínio: não, não é mesma coisa. E a razão (discutível, como qualquer opinião) é que não só o Ídolos não é o Big Brother, como Filipe está muito longe de ser o Marco ou o Zé Maria. As personagens do programa que a TVI transmitia não estavam ali por qualquer talento particular: haviam sido escolhidas, entre milhares, por serem tipos diferentes de pessoas que seria "curioso" ver como se dariam meses a fio fechados num mesmo espaço. O Big Brother (seja na TVI ou em qualquer outra estação) não passa disto: uma janela aberta ao voyeurismo geral, que fica a observar ratinhos de laboratório, que mais não fazem do que falar, comer, beber, fazer necessidades fisiológicas e, na esperança dos produtores, acabarem por se zangar ou apaixonar. A palavra-chave para desligar os concorrentes do Ídolos deste medíocre conceito (seja na SIC ou em qualquer outra estação) é talento. No Ídolos é preciso algo mais do que respirar e dizer umas alarvidades. È um programa que vai afunilando a competição entre inúmeros talentos, até restarem meia-dúzia, cinco, quatro, três, dois. Cantar bem é já de sim um talento que não está ao alcance de qualquer um de nós. Por inversa, qualquer um de nós pode entrar num Big Brother. Como se não bastasse, Filipe provou desde cedo ter talento-extra, uma vez que não se limita (ou não se quer limitar) a cantar bem músicas de outros, o que poderia confiná-lo a bares de karaoke no futuro. Filipe compõe e escreve música, e sabe que o seu futuro terá de passar por esse passo a mais, após se dar a conhecer como voz: o acto da criação, que diferencia o artista dos outros mortais. Como, ainda por cima, quem estivesse atento à entrevista reparasse que ela foi feita precisamente nessa linha do que poderemos esperar no futuro, a sua presença em estúdio terá mais a ver com um qualquer outro autor (criador, artista) do que com o Marco ou o Zé Maria. Com todo o respeito.
Capas
|É diferente porque não é igual
Se bem se recorda, o Jornal de Notícias não publicou uma crónica de Mário Crespo por considerar que ela não incluía “o contraditório”: