Eu bem tento contrariar, mas por esta época sou uma pessoa estranha. No resto do tempo não me falta um olhar crítico, e confesso muitas vezes o meu enervamento com posturas de craques, e lembro que são apenas jogadores da bola, e que é um disparate o que ganham, e por aí fora. Mas quando começa a soprar o ventinho de um Europeu ou Mundial, por mais que resista, lá vem o nervoso miudinho da antecipação festiva. E talvez seja por ficar em ponto de rebuçado, todo emoção e pouco dado à razão fria a que me obriga o jornalismo, talvez seja por sentir reacender-se a centelha patriótica (ao contrário de muitos, não tenho medo de assumir patriotismos, e não, não lhe atribuo opções políticas), mas a verdade é que me arrepiam as manifestações de apoio à selecção. É estranho que aqueles 23 rapazes sejam os únicos capazes de elevar o espírito derrotado de um povo, seja por umas semanas. Mas nada me emociona tanto como quando a festa se levanta entre os portugueses que vivem fora do país. Aquela chegada à África do Sul é coisa digna de se ver e rever, como tinham sido outras festa na Alemanha, ou aquela viagem épica de Alcochete até ao estádio da Luz em 2004, uma viagem que teria merecido outro destino que não a derrota humilhante perante uns gregos de quem nunca mais ninguém ouviu falar. É sempre ainda mais tocante quando se vêem as lágrimas de quem descende de portugueses mas não conhece o país, ou de quem saiu daqui há 20, 30, 50 anos. É um estado puro de emoção, tão indizível que não há resposta para as perguntas dos jornalistas: o que sente neste momento, o quem gostaria de dizer aos jogadores, etc. Quem tenta responder, logo se atrapalha com a tremideira na voz, e só lhe sai "Portugal! Portugal!". Bem vistas as coisas, é a resposta mais certeira. A que deixa sair um grito que ninguém sabe bem o que é, ou para que serve. Mas é uma coisa que une, que conforta, que faz esquecer dramas e diferenças. Quando vejo estas explosões que me trazem lágrimas, fico sempre a esperar que os jogadores e o seleccionador vejam bem, ouçam bem, que peçam gravações para rever e ouvir de novo. E que não lhes passe pela cabeça defraudar esses milhões que tanto depositam neles. E o que se lhes pede, atenção, não são vitórias sobre vitórias, que por vezes não nos são possíveis (há sempre a possibilidade de os outros serem melhores que nós…), mas pede-se-lhes luta sem quartel, dentes cerrados, esforço máximo, deitar fora o medo, e jogar como se fosse o último jogo da vida, jogar a ver e a ouvir aqueles homens, mulheres e crianças que não conseguem exprimir nada que se compare ao simples, directo e comovente: "Portugal!"
2- Mas o Portugal que se une tem de continuar a assistir ao Portugal que se zanga a cada esquina, a cada dia, por cada coisinha. A guerrinha Belém-S.Bento começa entrar no campo do ridículo e do insuportável. De costas voltadas em matérias de substancial importância para o país, parece que não basta, e tudo o que é matéria menor também serve para as pequenas bicadas. Bastou Cavaco Silva dizer a coisa mais simples do mundo, que espera que os portugueses façam férias no seu país, para que um ministro não gostasse, discordasse e ainda usasse da ironia, para responder que mal estaríamos se todos os presidentes desatassem a defender a mesma ideia. O que é mais patético é que a resposta de Vieira da Silva não é, na essência, a defesa de uma ideia diferente da de Cavaco Silva. O que é triste é que se o Presidente diz branco, o governo acha que é preto, e se fosse azul, a resposta seria vermelho. O que se passa é que um governo em queda pronunciada tem uma certa inveja da possível capacidade de reeleição de Cavaco. O que é triste é que o governo seja incapaz de assumir uma pequena responsabilidade que seja pelo estado do país (a culpa é sempre da crise internacional) mas não perca uma ocasião para dar a entender que o Presidente, ele sim, está sempre a dar palpites errados.