Penso que já o disse: não só não tenho nada contra a publicidade, como sei que nasceu para nunca mais morrer. E quanto mais novos forem os tempos, mais isto será verdade. As marcas têm de se fazer notar entre milhares de concorrentes. Há, ainda por cima, campanhas ou simples anúncios que são arte da mais original. Mas nunca percebi porque há-de a publicidade ser mais preguiçosa a vender matéria institucional do que marca comercial. Em Portugal, então, é coisa de fugir. Começa, desde logo, nos "anúncios" das ditas artes. Nas rádios e TV, lá aparecem de vez em quando convites para o teatro, exposição ou mesmo filme português: uma montagem primitiva, um zunido de música experimental, e um textinho pedante, lido por alguém que não sabe ler para o público. Resultado: ou não se percebe o que é aquilo, ou, ainda que percebendo, não dá vontadinha nenhuma de ir a correr comprar o bilhete. Mas é quando se chega aos chamados organismos do Estado que a coisa fica mais triste e pobre. Não faço ideia como funciona a coisa: se se contratam agências a sério, se se recorre aos brincalhões do escritório (até fica mais barato). Sei que o resultado é sempre confrangedor. Aqui há uns anos eram os anúncios do Instituto da Juventude. Coitadinhos. Tentavam falar "à jovem", porque devem ter lido umas linhas gerais sobre o "público-alvo". Eram de tal maneira patéticos que nem me ficaram na memória. Por isso quero falar já sobre o mais recente, da autoria do Ministério da Saúde, antes que também o apague (seria bom que fosse antes que o pague, mas isso já não vou a tempo; já todos o pagámos, com os nossos impostos). E de que anúncio falo? Ora bem, do milésimo feito em Portugal sobre a importância do preservativo. O tema, como se sabe, é delicado. Porque podem passar gerações, louvar-se revoluções de mentalidades, mas qualquer coisa que tenha a ver com sexo vem logo com um picantinho e um sorrisinho maroto. Havia, em tempos, um anúncio que não era nada mal feito. Apesar de um certo, digamos, excesso de visualização gráfica no seu slogan, passava a mensagem com humor directo. Ou seja, terminava com o apelo: ponha isto na cabeça. Mas o mais recente dá trezentos passos atrás. Na ideia, no conceito, na mensagem, na realização. Trata-se, antes de mais, de uma corriqueira e preguiçosa animação. Lei do menor esforço. Depois, esquecem-se que uma animação, na sua essência, é apelativa para crianças, não necessariamente para jovens adolescentes com hormonas aos saltos. E as criancinhas podem começar a fazer perguntas aos papás sobre o que vêem na TV. E que vêem elas, e nós? Uma voluptuosa senhora aproxima-se de um carro que pára perto dela. Mas não entra. Porque o senhor que a aborda não quer, pelos vistos, usar preservativo. Mas o anúncio tem um desenlace "positivo". Na sequência seguinte, a menina entra, toda animada e contente, porque, pelos vistos, o senhor aceitou usar o dito cujo. Que maravilha de imaginação. Não se encontrou coisa melhor para promover o preservativo do que o sempre fascinante mundo da prostituição. E prostituição de esquina de rua, para ser mais preciso. Para além do evidente mau-gosto, a mensagem é grave e perigosa. Eterniza a falsidade dos primeiros tempos da Sida, tida como praga trazida por debochados, fossem pegas de rua ou homossexuais. E não só volta a carregar num estigma mil vezes falso (e neste sentido é um retrocesso), como deixa no ar uma também falsa esperança aos jovens, que pensarão, ao ver esta barbaridade, que fora desse mundo promíscuo, estão a salvo da Sida e outras doenças. É absolutamente inacreditável. Que se pense isto, que alguém aprove, que se pague, e, sobretudo, que alguém pense que acaba de lançar uma campanha de impacto positivo. Uma miséria de mentalidade. Depois deste "servicinho", convém fazer uma campanha a sério, que não só alerte a sério para os perigos das doenças sexualmente transmissíveis, como apague a porcaria que este anúncio veio trazer. Explicar, de uma vez por todas, que as doenças se podem apanhar nas situações aparentemente mais inocentes. Explicar, aos jovens que ainda não o saibam, que quando têm relações com uma pessoa, estão a "dormir" com todo o seu passado. Explicar que há pessoas que não têm cuidado, mas talvez não saibam que carregam já o vírus. E sobretudo, e sobretudo, senhores, lembrar que o problema é muito grave e muito difícil, precisamente porque já abandonou a esquina das prostitutas e pode aparecer-nos de qualquer lado. Repito: miséria de mentalidade. Paga com o nosso dinheiro, executada por quem é suposto zelar por nós.