1 – É tudo mau. Nada se safa, na historieta dos candidatos a juízes e magistrados apanhados a copiar. É um fundo do poço, na caracterização do pior de que somos capazes. Não podem fazê-lo. Simplesmente, não podem, como não poderiam candidatos a médicos, ou outras profissões que hão-de lidar, directamente e com consequências, na vida de pessoas. Um candidato a juiz que copia está ainda na fase da escola primária. Logo, não pode ser juiz. Um candidato a juiz que copia demonstra que não percebe o que está em causa na profissão que ambiciona, e que vai muito além do blá-blá que debita dos livros de estudo. Ser juiz não é só saber a matéria (ou fingir que sabe a matéria). Ser juiz é ser um homem ou mulher que terá a palavra final sobre o destino de milhares de pessoas ao longo da sua carreira, caber–lhe-á salvar inocentes mal acusados, saber castigar os trafulhas perigosos. Precisa, por isso, de ter integridade, capacidade de análise, sentido de justiça, coragem, verticalidade, honestidade, princípios. Tudo, mas mesmo tudo que não tem quem se candidata a um cargo destes e, para lá chegar, não hesita em copiar. Quem quer seguir este caminho deveria seguir o raciocínio simples: se tenho de copiar, é porque não sei a matéria. Se não sei a matéria, não me deveria candidatar, sob pena de fazer um mau trabalho num cargo tão importante. Eis o retrato claro de que a crise da Justiça é ainda mais escura do que se pensava. Se nos temos de preocupar com os vestígios de corrupção que por aí andam, que futuro esperar quando os princípios de corrupção começam logo nos bancos de exame dos futuros decisores? É uma vergonha autêntica, uma miséria que nos deixa mal interna e externamente. E agora anda-
-se a tentar tapar a ferida com palhaçadas que não conseguem disfarçar a escandaleira. A primeira medida (oh, meu Deus) foi dar 10 a todos. Que prodígio de justiça, dentro da casa da Justiça. Os que realmente estudaram e são honestos e dariam bons juízes, e até poderiam ter tido perto da nota máxima, levam com 10 e é se querem. Os farsantes que não sabem nada, que copiaram, que deveriam ter zero e um pontapé no rabo para fora da profissão, são recompensados com 10, que dá para passar. É inacreditável primeiro, escandaloso depois, o que se passou, e como se tentou resolver a questão. Pobre, pobre País, pobre de quem precisar que alguns daqueles copiões lhe decida o destino.
2 – À hora a que escrevo, faltam algumas horas para se perceber se Fernando Nobre será ou não presidente da Assembleia, como lhe prometeu Passos Coelho. Defendo veementemente que, tal como os candidatos a juízes que deveriam perceber que não são talhados para o cargo, também Nobre deveria ler os sinais e ter a verticalidade de se retirar antes de fazer o PSD tropeçar no primeiro dia. Nobre, à excepção de Passos Coelho e alguns sociais-democratas (apoiantes hesitantes e nada convictos), tem tudo e todos contra ele. O próprio CDS, parceiro confirmado para um governo de vida difícil, lava as suas mãos, e mantém-se, coe-
rente, de fora, lembrando que a escolha é do PSD e o PSD que lute sozinho por ela: aqui não há aliança que valha. Os outros partidos, nem se fala: já todos disseram que, pelas mais diversas e discutíveis razões, não querem lá o antigo candidato a Belém, apostado em fazer carreira política a qualquer preço. Perante todas as evidências, poderia Nobre fazer uma coisa muito simples, que só lhe ficaria bem e demonstraria que não é um homem surdo ao mundo que quer comandar: dizer a Passos Coelho que, nestas circunstâncias, abdicava dessa luta e dessa promessa. E que o líder do partido que o acolheu poderia dispor dele, e, sem ressentimentos, escolher outro para o lugar, alguém que seja recebido sem tanta polémica ou assobio. Até podia ser que Passos Coelho o mantivesse na luta, e até elogiaria a sua responsabilidade e abnegação. Mas quer-me parecer que Nobre terá percebido que se dá uma hipótese ao PSD de se retirar para não criar polémica, talvez o partido aceite, com alívio… E Nobre, está visto e demonstrado, prefere alcançar o que quer, por mais barulho evidente que haja à volta. Ele tem a sua ambição, e isso é inabalável. O que nos ajuda a perceber, desde já, as prioridades e perfis da nossa provável futura segunda figura do Estado…