
1 – Continuo a achar estranho como nos espantamos a nós próprios, por vezes em pequenas coisas, como o inesperado das reacções. Tem-me acontecido com frequência. A mais recente, na semana passada, perante a morte de Nelson Mandela. Por estes dias, não deveria haver acontecimento mais previsível. Sabíamos que era uma questão de tempo, pela lei da vida. E já nos desabituámos a vê-lo ou ouvi-lo, visto que passou recluso grande parte da última década, tirando uma fugaz e penosa aparição na final do último Mundial de Futebol, há três anos. E no entanto… Um arrepio inesperado quando vi e ouvi Jacob Zuma, o actual Presidente sul-africano, a usar expressões como “o filho mais querido do país”, ou “o pai da nossa nação”. Depois, entre inúmeras outras reacções, destaco a espantosa escolha de palavras de Barack Obama, que, no meio de elogios mais esperados e comuns, refere que Mandela “belongs to the ages”. É daquelas expressões que não têm tradução à altura mas que coloca Madiba para além da História: ele pertence a todos os tempos que a fazem. É expressão bonita, e justa. Porque importa parar para pensar que não deveremos conviver, no tempo das nossas vidas, com figura semelhante. Agora que as televisões multiplicam documentários e comentários sobre a sua vida, volto a arrepiar-me perante a grandeza de alguém que passa 27 anos preso (sem saber se alguma dia seria libertado) e o que faz com o resto da sua vida é pregar a paz e a reconciliação. Fosse Mandela um pouco mais parecido com o homem comum, e haveria de ceder, aqui e ali, ao rancor. Mas foi precisamente essa inacreditável força do amor e da bondade que o tornou maior que qualquer um de nós. Meço bem as palavras, mas… parece-me que foi o que de mais parecido encontraremos com o que nos ensinaram ter sido Jesus Cristo. Suportou o insuportável, agarrou-se a uma convicção e viveu de acordo com o que defendia. Sem uma hesitação ou dúvida. É, sem dúvida, uma figura que merece tudo o que tenho visto pelo mundo fora: os minutos de silêncio, as bandeiras a meia-haste, as velas, as fotografias, rostos em lágrimas, sejam negros, brancos, hispânicos, asiáticos. Só mesmo na sua morte somos de facto apanhados pela sua universal e transversal importância. Só a sua morte nos dá a dimensão do que significou de exemplo num mundo corroído pela desesperança. Uma dimensão que quase nos envergonha: se este homem acreditou sempre num caminho depois de tudo o que passou, quem somos nós para duvidar perante algumas dificuldades que vivemos. Obama tem toda a razão: Mandela está para além da História. Será um nome para contar, vezes sem conta, aos que forem nascendo.
2 – No extremo oposto, os homens que dão asco. Tornou-se quase “normal” a catadupa de notícias sobre suspeitas de pedofilia dentro da Igreja Católica. Estados Unidos, Canadá, Reino Unido… mas também cada vez mais em Portugal. Repito: suspeitas. Mas a simples existência de suspeitas é de uma gravidade sem tamanho. Porque é suspeitar do mal maior no nicho onde ele pura e simplesmente não pode existir. No refúgio onde milhões de crianças se deveriam sentir mais seguras. Um padre pedófilo é duplamente culpado, triplamente condenável e nojento. Por causa dos seus actos de homem para criança, mas sobretudo porque deveria ser o protector das crianças de que abusa. É uma inominável traição. Gostei de ouvir, por cá, declarações do novo patriarca de Lisboa, dizendo, friamente, que estes casos de suspeitas devem seguir o seu caminho legal, e as consequências devem fazer-se sentir, como se espera em qualquer outro caso do género. É um sério aviso para dentro da própria Igreja portuguesa, que saúdo e aplaudo. E que vem na linha das atitudes do novo Papa Francisco, que tem dado lições mais de cristianismo no pouco tempo que leva de Vaticano do que o seu antecessor deu em muitos anos. A Igreja Católica, para sobreviver aos olhos dos crentes e não-crentes, precisa rapidamente de se reinventar. E mostrar ao mundo que não tolerará abrigar monstros criminosos é um passo vital.