
Sem grande imaginação, confesso que começo esta crónica a pensar em balanço do ano. É um clássico, por esta altura. Ano que acaba, mais um que começa, mais um Natal que se foi. Há sempre tanto para dizer, quando pensamos em tudo o que aconteceu, a nós, aos outros, ao mundo em que nos movemos. E no entanto o meu brinde tem-se mantido o mesmo. Tem resultado, quase sempre, como costumo dizer. Ergo o copo, olho nos olhos os que me são queridos, e proclamo “que para o ano estejamos cá todos”. Dei voltas à cabeça a pensar em brindes diferentes, diversificados, que me tornem menos previsível. Mas quando chega a altura, os meus amigos sorriem, e antes que eu abra a boca, gritam “que para o ano estejamos cá todos”. Sim, previsível, mas acontece que não sei que se possa desejar de mais absoluto, de mais abrangente e significativo. Será da idade que avança…não quero saber. Sei que o valor inultrapassável de estarmos vivos e podermos contar uns com os outros é uma luz intensa. Sei, cada vez mais, que perdemos tempo com problemas menores, que tantas vezes ampliamos sem razão, quando os únicos que nos dão a volta à vida são, de facto e sem dúvida, a doença e a morte. Balanço do ano, dizia eu… acontecimentos, nem saberia por onde começar. Certezas que tinha há um ano e que hoje me parecem ingénuas. Que vejo, à volta? No final de um ano absolutamente aterrador para a maioria, vejo a luzinha frágil de uma esperança que renasce. Vem da absoluta impossibilidade de um desespero maior. É a luz que se acende quando batemos no fundo do poço, ou nos encostam à parede. Já só podemos voltar a ir para cima, ir para a frente. Os humanos guardaram bem esta herança do reino animal. Temos uma capacidade de sobrevivência e adaptação fora do comum. Este foi um ano terrível, em cima de outros terríveis. Houve desespero, claro, houve desgraças, vidas viradas do avesso, houve quem tivesse de repensar toda a sua existência, todas as suas opções. Mas foi, de maneira bruta, uma lição. Mais do que a nossa vida ter mudado, mudou a nossa maneira de olhar para vida, se tivermos estado atentos. Aprendemos, à força, a dar mais atenção ao essencial e menos ao acessório. Aprendemos que a vida pode ter muitas etapas, todas diferentes, e que acabou a certeza do emprego para a vida, e com ela tantas outras certezas preguiçosas… e perigosas. Estamos a aprender que os homens e mulheres se conhecem nos tempos áridos, nas dificuldades, nos obstáculos, nas derrotas; é fácil gerir a vida, acumulando apenas vitórias e conforto. Significa isto, num quadro mais específico, que “desculpo” os governos que nos fazem ter de ir buscar forças ao mais fundo de nós? De maneira nenhuma. Mas esta crise sem igual serviu também para entendermos que, por mais que apreciemos a força X ou o partido Y, haverá sempre uma nova forma de viver, daqui para a frente. Desde logo porque esta brutal realidade terá servido para revelar a muitos portugueses, talvez a maioria, que somos afinal tão frágeis porque estamos mergulhados numa realidade global. Qualquer partido, de esquerda ou direita, que recupere qualquer discurso que volte a esconder isto, estará a mentir. Nos elogios mais ou menos cínicos e paternalistas que nos têm feito os senhores que nos emprestam dinheiro, um deles disse um dia que os portugueses eram um povo extraordinário. Interessa-me pouco que estivesse a fazer discurso para ficar bem na televisão. Acontece que disse uma grande verdade.
Tenha um ótimo 2014. Ah… e que para o ano estejamos cá todos.