
Escrevo no dia em que morreu Eusébio. O dia que chega na vida de todos nós, o dia que sabemos que não vai tardar num homem que já demonstrava grande debilidade física. E no entanto, como sempre, a emoção é igual, já várias vezes o disse aqui: a morte dói, por mais que a antecipemos. No momento em que escrevo, espreitando as várias televisões, vejo sem surpresa crescer o cortejo de reacções. Algumas, sentidas e óbvias, como as de companheiros do futebol, que perderam mais do que um ídolo. Outras, confesso, causam-me sempre algum espanto ver como há pessoas que aproveitam qualquer ocasião para aparecer. E nada como um momento fúnebre de impacto mundial… Enfim. Depois, deparo com “interesse” as reacções apressadas dos partidos políticos, cada um a dizer que admirava mais Eusébio do que os outros. De reacções mais ou menos oficiais, destaco as palavras e a atitude de Cavaco Silva, que concedeu a Eusébio a dignidade de merecer que o Presidente convocasse os jornalistas para comunicação formal nas televisões poucas horas depois da morte, em que, além de declarar um emocionante e merecido luto nacional, teve um discurso na medida certa. Destaco também que FC Porto e Sporting não só renderam oficialmente homenagem a Eusébio como o fizeram rapidamente, sem hesitações, e com palavras de respeito. Mas, curiosamente, de tudo o que tenho ouvido, ficou-me na memória o sorriso triste de um comentador de… economia e fiscalidade. Eu explico. Na SIC Notícias, Tiago Caiado Guerreiro era o convidado para a habitual revista de imprensa, quando a notícia da morte de Eusébio acaba por esmagar todo o resto da actualidade e tornar-se o assunto para o qual o jornalista, o meu colega Paulo Nogueira, pede a opinião do fiscalista, perguntando-lhe, a certo ponto, se fosse director de um jornal que título daria amanhã à morte de Eusébio? Tiago não hesitou muito: “o homem que venceu a morte”. Um belo título, digo eu. Porque é isto mesmo que está destinado a apenas alguns. Alguns cuja vida foi de tal maneira impressiva, que já venceram a morte, venha ela quando vier. Porque a morte, o mais terrível na sua dureza imparável, é talvez o esquecimento. Daí que eu nunca tenha deixado de dizer o nome dos meus familiares e amigos que já partiram, de recordar episódios, porque isso os conserva ainda nas minhas conversas, na minha memória, na minha vida, no meu coração; porque isso vai impedindo que eu os esqueça. Por isso achei o título tão simples certeiro, caro Tiago. Sim, Eusébio venceu há muito a morte, e logo na categoria de herói, aqueles que não só recordamos para sempre pelo coração, mas pelos feitos e proezas, que deixaram o mundo diferente com a sua passagem pela vida. No desfile que continuo a ver, de imagens de arquivo, declarações e mais declarações, e porque a imaginação das perguntas vai escasseando nestas horas infindas em directo, vai surgindo a questão do que Eusébio ensinou ou deixou de ensinar. É questão curiosa. Porque me parece sempre que o “ensinar” não pertence, necessariamente, ao estatuto do génio. Não consta que Picasso fosse muito bom a dar aulas, ou que John Lennon ensinasse música a alguém. Eles não têm de ensinar, os que vencem a morte. Até porque eles são feitos da matéria bruta do instinto puro; algo que nasceu com eles. Não, eles não têm de ensinar. Nós é que podemos aprender, se quisermos, a apreciar o mundo. E ver como ele ficou mais belo com a sua passagem por cá.