
Pensava ter escrito já o suficiente sobre Eusébio, mas tenho de voltar ao assunto. E não para falar sobre o “Pantera” mas para falar sobre o que alguns disseram sobe ele, e que na altura me escapou, no meio de tal enxurrada de reacções dos mais diversos quadrantes. Começo por dizer que não sou daqueles que acha que todos os que morrem passam a ser santos, se não for isso que sobre eles pensávamos em vida, mas considero do mais elementar bom gosto e educação mantermos para nós comentários depreciativos enquanto as famílias choram a sua perda. Não é assim que pensa, pelo que ouvi, Mário Soares. Questionado pelos jornalistas ávidos de reacções, o antigo Presidente da República achou por bem, digamos, pôr alguma água na fervura dos elogios fúnebres. E com nada menos do que isto: condescendendo primeiro que Eusébio foi uma figura importante, mas fazendo, imediatamente depois, questão de nos elucidar que o achava pouco culto. Ainda estamos a estremecer com afirmação tão desnecessária quanto deslocada, e já Soares acrescenta que Eusébio bebia whisky de manhã e à tarde. Ou seja, cingindo-me aos factos, como bom jornalista, descontando um tímido elogio aqui e ali, o que concluo é que Mário Soares escolhe, em reacção à morte de Eusébio, deixar-nos a imagem de um homem estúpido e bêbado. Bom, no país democrático que Soares ajudou, e muito, a construir, a liberdade de expressão é um bem valioso que deve ser preservado. Logo, se um homem da sua estatura pessoal e política escolhe estas palavras, está no seu legítimo direito. Como eu estou, julgo, no direito de achar que foi das declarações mais lamentáveis que alguma vez ouvi. Mas o capítulo das reacções trouxe outro político para o primeiro plano. Neste caso, José Sócrates optou por fazer uma elegia fúnebre que assenta numa história da sua vida que inclui Eusébio. Não foi o único. Não faltaram, subitamente, as mais diversas personagens a lembrar episódios. Já se sabe que quando o falecido é apetecível do ponto de vista mediático, surgem logo, em fila indiana, os que querem retirar proveito. Um “bom” e previsível exemplo foi a pressa de partidos políticos aparecerem em frente às câmaras. Mas nada nos preparava para a possibilidade de, na pressa de se mostrar digno da memória do País, alguém inventar um episódio. Ficámos a saber que José Sócrates guardou para sempre no coração aquele dia em que via Portugal a perder com a Coreia por 3-0, saiu para ir para a escola ter com os amigos, e pelo caminho ia escutando como Eusébio dava sozinho a volta ao resultado. Tendo em conta o dia do embate histórico, ficamos assim a saber que na sua meninice Sócrates tinha escola a um sábado à tarde, e em finais de Julho, quando os meninos das outras escolas estão nas férias grandes. Embora permaneça um mistério, para qualquer adepto de futebol, porque se abandona um jogo a meio, onde joga o nosso ídolo… Sem mais comentários. Finalmente, a venerável presidente da Assembleia da República tratou de congelar o entusiasmo da ideia de se ver um dia Eusébio no Panteão, porque é muito caro. Nas “centenas de milhares de euros”, ouvi-a claramente dizer. Quando finalmente se fizeram as contas, concluiu-se que custaria cerca de 50 mil euros. O que o Parlamento deve gastar em arranjos florais. Bastaria ter dito que achava que Eusébio não deve ir para lá. Seria menos politicamente correcto, mas evitava precipitações e embaraços.