
Ora bem, deixem-me cá pensar se os casais homossexuais podem ser maus pais ou mães, e as crianças que adoptam vir a ser infelizes… Bom, a resposta é sim. Dito isto, deixem-me também pensar se um casal heterossexual, daqueles que consideramos mais “normais”, também pode ser constituído por dois atrasados mentais, sem a mínima aptidão para tomar conta de crianças, o que fará com que os seus filhos, biológicos ou adoptados, venham também a ser infelizes e psicologicamente afectados? Curioso, a resposta é também… sim. A conclusão parece-me óbvia. Uma boa ou má pessoa nunca o foi ou será pelas suas preferências sexuais, e uma criança nunca será mais equilibrada, resolvida ou feliz por ter pais heterossexuais. Parece–me tão óbvio que a discussão em torno da questão é das mais ridículas e perigosas do mundo que se diz moderno. Mas o que se passa actualmente em Portugal é ainda mais lamentável. Porque, independentemente de nem todos sermos obrigados a pensar assim, e ainda que muitos tenham as suas dúvidas, é triste ver como o tema foi aproveitado para uma gincana política. Já o seria em tempos de alguma normalidade, mas quando o País se debate com questões gravíssimas, fazer finca-pé numa guerrilha contra os casais homossexuais é ainda mais insultuoso. Se há mentalidades que se chocam muito com a matéria, que pronunciassem alto e a bom som o seu horror na devida altura, quando a questão começou a dar os primeiros passos. Preferia ter ouvido, na devida altura, gritos assumidos de horror, juras de “os homossexuais só adoptarão crianças por cima do meu cadáver”. Seria mais liso e sincero. Seria o que aconteceria se puséssemos a questão a qualquer republicano extremista nos Estados Unidos, ou a qualquer direita radical europeia. Mas nesses casos, ao menos, sabe-se com o que se conta. Por cá, num partido dito do centro tolerante e civilizado, a coisa fez-se pela calada e em pezinhos de lã. Ainda por cima, insultando as comissões do Parlamento, que não são afinal, segundo a JSD, significativas bastante para fazer Lei. Depois, há, acima de tudo, a arrogância de julgarem falar pelos “portugueses”. Tenta-se avançar para um referendo porque meia dúzia de jovens políticos terá ouvido os comentários depreciativos suficientes, talvez entre família e amigos, para se julgarem no direito de convocarem uma iniciativa a pensar em todos nós. E logo um referendo, a figura constitucional mais impressiva e importante para julgar uma nação. Mas o que mais impressiona é que, numa altura em que o partido do Governo deveria estar concentrado no balão de oxigénio que uma tímida retoma económica lhe veio dar, quando deveria apontar todas as suas energias a exibir na cara da oposição (com razão ou não), os sinais positivos que andam pelo ar, e que até lhe podem permitir, quem sabe, fazer uma recuperação inesperada e espectacular até às legislativas… pois bem, no meio de tantas preocupações e tantos trunfos para jogar, o que faz o partido do Governo? Apoia uma iniciativa deslocada no tempo, no modo e na base de argumentação, e, como se não bastasse, impõe disciplina de voto aos seus deputados. Quando se recorre a estas algemas obrigatórias, já não é bom sinal… significa, desde logo, que há divisões dentro do próprio partido, que é uma imagem que nenhum deve gostar de dar aos portugueses. Mas parece que ninguém no PSD pensou isto, ou pior, viu nisto qualquer entrave à iniciativa. O que deu aos portugueses a oportunidade de verem, em direto na televisão, deputados do partido a dizerem que tinham votado contra a sua consciência. Que ganha o partido ou o Governo com isto, é a pergunta que eu gostaria de fazer aos cérebros que aconselham Passos Coelho. Vejamos o que faz Cavaco Silva. Sempre estou para ver como nos justificam os gastos patéticos de um referendo em cima das contas que já pagamos.