Não sei que novidades haverá mais, no dia em que sai esta revista. No dia em que escrevo esta crónica, há ainda um mar de interrogações no caso dos estudantes que morreram no Meco. Do que se vai sabendo, e apesar do silêncio do sobrevivente, temos razões de sobra para concluir que se tratou de uma praxe que correu muito mal. Não sendo difícil concluir isto, e juntando a todos os outros “incidentes” que foram notícia nos últimos anos (fora os que não sabemos), é legítimo, em meu entender, achar que as praxes são das demonstrações mais imbecis que uma sociedade jovem consegue produzir. Porque se vai provando que trazem grandes riscos, mas, e sobretudo, porque ninguém me consegue demonstrar para que servem.
Há uma única situação em que condescendo a compreender a existência de praxes: o serviço militar. É terreno onde as ditas praxes se enquadram num esquema de treino generalizado, onde os caloiros são empurrados para situações-limite. A forma como se aprendem a desenrascar pode vir a ser útil nas situações que a sua futura vida militar lhes colocará pela frente. Agora, alguém me explique a utilidade ou justificação no meio académico. Zero. Nenhuma. Nenhuma praxe, sobretudo porque são apenas exercícios autoritários de bestialidade, fará dos caloiros melhores alunos, melhores pessoas, futuros profissionais das suas áreas mais competentes, ou úteis ao País e à sociedade.
A praxe académica tem servido, exclusivamente, para humilhar, para permitir que grupos de alunos mais velhos descarreguem as suas óbvias limitações e frustrações. Na maior parte dos casos em que há óbvios abusos da privacidade sexual, por exemplo (não faltam descrições de miúdas apalpadas, obrigadas a simular sexo oral ou outro tipo de absurdo). Deverá ser a única ocasião em que os chefes das praxes conseguem um contacto íntimo com alguém. Nestes casos, forçado, o que o caracteriza como abuso, o que o coloca muito próximo da violação.
É também lamentável o encolher de ombros das faculdades, incapazes de pôr um travão nestes crescentes espectáculos de degradação. Com uma justificação de bradar aos céus: não querem intervir muito ou proibir praxes, porque, já se sabe, se os alunos não puderem fazer as praxes dentro das instalações académicas, vão fazê-las lá fora. É, de facto, a forma mais fácil de lavar daí as mãos.
Acresce que os artífices e continuadores das praxes académicas são, normalmente, o pior que uma faculdade pode ter ou produzir. Grupos de alunos que ficam pelas faculdades o dobro do tempo que seria suposto, a gasta dinheiro ao País e aos papás. Basta pensar que quem vai para a faculdade para realmente aprender e tentar construir um futuro útil para si, para os seus, e para o país, termina o curso com boas notas em três ou quatro anos e faz-se à vida. E são normalmente alunos e alunas que não se subjugam a estes comportamentos abusivos, patéticos e criminosos, que os mentores de tal bestialidade continuam a justificar (uma resposta que mete nojo) com práticas que visam “integrar o caloiro”. Integrar em quê? No lixo de uma mentalidade de violência, humilhação e do poder do mais forte? Desta vez, há seis famílias destroçadas (seis!), seis vidas que se foram praticamente antes de se iniciar. Quantas mais haverá, entretanto, enquanto se mantiver tanta “compreensão” por hábitos instituídos?