
Não tenho o hábito de falar sobre o que não conheço, e desaconselho vivamente. Mas, para o que quero dizer, acaba por importar pouco que ainda não tenha visto o tão polémico filme “Ninfomaníaca”. Para quem esteja mais desatento ao grande sururu que anda pelo mundo do espectáculo, lembro que se trata de um filme assinado por Lars Von Trier, que adora um bom sururu, e que anda nas bocas do mundo por se tratar de um filme com cenas de sexo explícito.
Ora bem, não tendo ainda visto, não sei se tem ou não, e há ainda que avaliar o que cada um considera sexo explícito. Um homem e uma mulher, nus, um em cima do outro, tocando-se, com todos os movimentos de uma relação sexual? Já é bem explícito, até porque percebemos que é a fingir, é a fingir, mas os actores têm os sexos a tocarem-se. Ou então (e aqui não há dúvida do que é explícito) grandes planos, sem margem para dúvidas, em que se vê o sexo do homem penetrar o sexo da mulher. Esta imagem nua e crua remete-nos, obviamente, para o universo da pornografia, “normalmente” o único meio onde se vê cena igual. Ora, ao que parece, a grande polémica da obra de Von Trier será, precisamente, utilizar o mesmo tipo de planos, sem cortina ou tabu, num filme “sério”, com actores de renome.
Cada artista escolhe o caminho que quer, sobre isso nem há discussão. O que me está a causar confusão em todo este processo é a revolta e indignação de realizador e actores porque está a haver uma polémica. Ou seja, acham estranho que se comente por esse mundo fora um filme com estas características. Espantoso. Faz-se, em grande medida, um filme para chocar e ser falado, mas depois critica-se o falatório. Obviamente que não acredito por um segundo que este desconforto seja genuíno. Acho que Von Trier está delirante com o barulho, como sempre esteve, noutras obras já bem puxadinhas. Mas a coisa é de tal forma ridícula que temos uma conferência de imprensa sobre o filme onde um actor se levanta e sai, ofendido, porque (imagine-se a parvoíce) alguns jornalistas o questionaram sobre o sexo explícito do filme… Mais: antes do abandono de estrela caprichosa, Shia LaBeouf responde com uma frase enigmática, que um dia foi dita pelo futebolista Cantona: recebe a pergunta, faz ar maçado e surpreendido e atira “quando as gaivotas seguem a traineira, é porque sabem que serão deitadas sardinhas ao mar”. De profundo, talvez o oceano onde isto se passaria, consoante seja mais ou menos perto da praia. Significado? Pois não sei, escapa-me, somos todos demasiado estúpidos para perceber a densidade da filosofia que habita a alma de um artista. Mas há mais. Depois de nos deixar atordoados com a frase, surgiria na passadeira vermelha com um saco de papel enfiado na cabeça, onde se podia ler “já não sou famoso”. Ora bem, nem consigo perceber se é densidade que vem no seguimento da primeira ou se é um capítulo à parte desta charada que inventou para ser falado.
O que me fica, e não é a primeira vez, é que muitos artistas se deveriam ficar pelas obras e não aparecerem ou falarem cá fora. Muitos dos mais inteligentes optaram por esta via. Outros, a maioria, insistem em presentear-nos com a patética obsessão dos seus pobres egos: que o mundo esteja constantemente a olhar para eles. Quanto ao resto, estamos na conversa do costume: assinado por um qualquer, o filme seria talvez uma gratuita pornografia de mau gosto. Assinado por um grande artista, deve ser “uma obra perturbadora, que questiona a nossa identidade, e deixa uma crítica mordaz à sociedade moderna”. Qualquer coisa por aqui.