
Ninguém sabe muito bem como começa uma moda, mas todos sabemos que uma moda não tarda a ter seguidores, sendo mais os que aderem sem saber bem porquê, limitam-se a ser boas ovelhas, e alguns outros seguem porque vêem nisso algum interesse. E a moda, meus senhores, não se limita a campos ditos artísticos, como a roupa ou a música. Tem cada vez mais força nas questões mais pequenas e irrelevantes, e, pelo que vejo, basta alguém lembrar-se de lançar uma nas chamadas redes sociais. O jornalismo, por exemplo, é hoje presa fácil da tendência. Já ouvi muito colega considerar que não se pode passar ao lado de determinado assunto porque as “redes sociais” estão a falar disso. Quais redes? Quantas pessoas? E quem, quais? E qual a verdadeira relevância de todos os comentários? Ninguém procura realmente saber ou reflectir. E eis como muitos jornalistas se transformam em ovelhas, quando antigamente faziam parte da casta dos pastores. Foi mais ou menos assim que nasceu, e sobretudo cresceu, a transcendental polémica sobre a calçada portuguesa. Para quem não saiba, começou a correr na rede a intenção da Câmara de Lisboa querer mudar um pavimento que faz parte da nossa História. Se faz parte da História, é porque está lá há muito tempo, o que começa por me suscitar a lógica questão: porquê agora? Bom, parece que alguém foi organizando uma lista de justificações, sendo a mais ouvida que a calçada é…perigosa. Faz mal aos pés, à coluna, às articulações, dificulta a vida às bengalas dos idosos e aos carrinhos de bebé. Achei estranho que um assassino destes não tivesse sido eliminado há décadas, mas quando voltei a ler com atenção reparei que há o risco de estas coisas acontecerem “quando o piso está irregular e as pedras se soltam”. Ah, OK. Agora parece-me razoável. Mas espera… Não se poderá dizer a mesmíssima coisa em tanta outra situação? Basta querer: “Esta coisa é perigosa porque não está a funcionar como devia, e esta coisa pode ser um avião, um carro, um microondas. Dito de outra forma, não se poderia impedir que a calçada chegasse a ser um qualquer perigo através daquele mecanismo muito engraçado e curioso conhecido por… trabalhos de manutenção? Ironia do destino, andava já a pensar escrever sobre o assunto, quando fui este fim de semana, como em tantos outros, passear os meus cães para a Baixa pombalina. E não é que de repente, talvez pelas chuvas recentes, ainda que eu caminhasse normalmente, o sapato não aderiu ao piso, escorreguei, e dei um humilhante bate-rabo no chão. Foi quando pude observar de perto que caminhava sobre essa espantosa alternativa à nossa calçada, chamada pedra lioz. Aconselho vivamente a quem sempre quis experimentar a emoção da patinagem no gelo. Mas isto é que é bom, dizem-nos agora autarcas e redes sociais amplificadas pelo jornalismo. Isto é que é bom, e não uma calçada que faz parte da magnífica imagem do País. Mas isso é passado, e do perigoso. O que interessa agora é transformar o País, a começar por Lisboa, numa cidade igual a todas as outras, onde se invejava, imagine-se, os desenhos espantosos sobre o qual os turistas espantados caminhavam. Enfim, acho mesmo que não devíamos parar por aqui. Vou abrir página nas redes sociais e alertar os meus compatriotas para outra causa nobre e prioritária. Vou apelar ao fim do fado. Já viram bem como é uma canção demasiado triste, que se pode tornar perigosa? Que pode causar depressões e atirar tantos de nós para os consultórios de psiquiatria? Sim, não descanso enquanto o fado não desaparecer, substituído por melodia mais alegre, com letra que levante a auto-estima. Quem está comigo?