
Até pode bem acontecer que seja defeito meu. Afinal, são quase já 28 anos desta profissão. Mas aconteceu-me no passado fim-de-semana, a sensação clara e perturbadora de estar constantemente a ver o mesmo filme. E até posso jurar que tentei ver televisão mais com olhos de espectador do que com cinismo profissional. Mas se calhar é pior, quando se vê com olhos de cidadão comum. Uma sensação de impotência e enjoo. Vejamos: tirando as pontuais excepções de acontecimentos fora da norma, em que infelizmente se incluem muitas tragédias inesperadas, a grande fatia do nosso dia-a-dia informativo faz-se de uma missa em lengalenga, sobretudo no campo da política. Não me entenda mal; não sou do grupo dos maldispostos porque sim, dos que arrastam um fel eterno e rosnam insultos a tudo o que soe ou pareça política, simplesmente porque decidiu que eles são todos iguais, só querem poleiro, tratar da vidinha, e o Zé-Povinho é que se lixa. Bom, ainda não sou, pelo menos… Mantenho, por esperança de cidadão e dever profissional, respeito pela classe que afinal nos governa. Mas, confesso, o espectáculo diário dos últimos anos é muito desanimador. Primeiro, porque pouco realmente se passa, e esse pouco é de uma previsibilidade confrangedora. Já desisti de tentar contar quantas vezes terei anunciado que o “Governo garante ou promete que”, para logo a seguir anunciar que a oposição “critica o anúncio ou a política do Governo”. Sim, como é óbvio, diferentes partidos terão diferentes visões sobre a sociedade, mas já há muito que todos concluímos que tempos excepcionais (no mau sentido) poderiam ou deveriam trazer-nos também abordagens excepcionais dos partidos à vida comum. Mas que se vê e ouve? Só para dar um exemplo, a reboque de mais um exame positivo da troika, ouve-se Paulo Rangel, em nome do PSD, voltar a apelar ao sentido de Estado de um partido com a força do PS, a quem pede que se sente à mesa para um entendimento sobre a reforma profunda que é preciso operar no País. Logo a seguir, como se seguisse um enjoativo guião, o PS responde que não se sentará à mesa com um governo que destruiu nos últimos anos a qualidade de vida dos portugueses. Na contra-resposta, o PSD estranha e repudia a resposta, reafirmando que o que o Governo fez, com indesejáveis sacrifícios à mistura, foi limpar o País do descalabro que se anunciava nos últimos meses de governação socialista. Para de seguida o PS voltar a responder que o Governo foi muito mais além da austeridade preconizada pela troika, e que só o PS poderá, quando ganhar as eleições, reerguer o País das cinzas deixadas por um governo PSD liberal e irresponsável. No meio de tudo isto, o CDS vai concordando com o PSD, o Bloco e o PCP reafirmam tudo o que diz o PS, mas vão mais longe, e de certa forma também concordam com o PSD nas críticas ao estado em que o PS deixou o País. E basicamente é isto, dia após dia, seja em congressos, debates parlamentares, ou declarações avulsas na visita a uma empresa ou centro de saúde. Os jornalistas lá vão acompanhando as acções políticas, por dever de ofício, e porque talvez, quem sabe, um dia destes, haja uma surpresa, de que muito duvido. Aliás, se quiser embarcar comigo numa aposta, podemos já escrever o que se dirá, por exemplo, na análise aos resultados das eleições europeias que se aproximam. O partido vencedor dirá que o resultado prova que os portugueses sabem em quem devem confiar. O partido derrotado criticará a análise do partido vencedor, referindo que não se podem fazer leituras nacionais e estruturais de uma eleição que se limitava a eleger deputados para o Parlamento Europeu.