
Teria piada, se não fosse de lamentar. Passou-se, mais uma vez, na manifestação das forças de segurança da semana passada, mas não é caso único no género. Grande confusão, como era esperado, e de repente ouvem-se os jornalistas dizerem que alguns dos manifestantes começam a mostrar-se hostis com… os jornalistas. Repare-se: as manifestações fazem-se para demonstrar o descontentamento com as politicas de cortes do governo, mas, subitamente, os alvos passam a ser os jornalistas, que, como se sabe, não podem sequer responder na mesma moeda. Mas o mais espantoso, nesta e noutras manifestações, é que elas são sempre marcadas e publicitadas de forma a terem a maior cobertura possível da comunicação social. Mas depois, os jornalistas que transmitem a “mensagem” para todo o país (para o mundo, já agora) são os maus da fita também, e levam com insultos e empurrões. Espantoso, repito; uma reacção esquizofrénica, chama-se os jornalistas porque se precisa deles, mas depois são recebidos com duas pedras na mão, ainda por cima, muitas vezes, com o ar de espanto de quem não percebe o que estamos lá a fazer. Está na altura de sermos todos claros e adultos. Com tanta televisão em concorrência, as manifestações tornaram-se um jogo, que serve sobretudo quem se manifesta, que tem a garantia de publicidade grátis. Todas as semanas somos inundados por comunicados que anunciam a acção reivindicativa X, ou a manifestação Y. É, obviamente, um convite para que estejamos presentes, e a acção possa assim chegar aos outros compatriotas. Mais: o profissionalismo dos manifestantes é tal, que agora todos os protestos são marcados para coincidirem com o chamado período do prime-time televisivo, ali entre as 20 e as 21 horas. Os organizadores estão fartos de saber que a única hipótese das televisões é fazer a cobertura em directo, o que ainda por cima deixa terreno aberto a declarações sem qualquer tipo de filtro. Um perigo para qualquer jornalista, que corre o risco de ouvir e deixar passar para o espectador uma resposta agressiva ou malcriada. É um jogo arriscado, mas é o que há de momento, aquilo em que a concorrência televisiva transformou a “realidade”. Realidade? Haveria de facto tanta manifestação se não houvesse cobertura televisiva? Que ainda por cima funciona, também ela, de forma algo doentia, mais pela imitação e receio da concorrência do que por verdadeira convicção editorial? Seria, aliás, curioso verificar o que aconteceria se as televisões, em vez de se guerrearem e tentarem ultrapassar-se, fizessem um acordo, nem que fosse por um dia, de nenhuma delas aparecer em determinada manifestação… Que “realidade” teríamos nesse dia? Tudo isto para dizer que não, não me parece que haja uma única razão de queixa válida dos manifestantes em relação a jornalistas ou à cobertura das suas actividades, que não só é total como é excessiva. O que, em minha opinião, até retira peso às reivindicações, se se sucedem a um ritmo que as banaliza. Basta perguntarem ao espectador comum… Outro enorme perigo continuam a ser os chamados fóruns de discussão em directo. Ainda bem que uma grande maioria de espectadores que ligam e entram em antena o faz com bom senso e vontade de participar civilizadamente. Mas os casos deploráveis de linguagem desbragada, insultos ou piadolas grosseiras , ainda que poucos, bastam para transformar a actividade num terreno de minas.