
Um grande poeta português desprezava os militares. Não concordo com ele, mas já lá vamos. Escrevia assim: “Isto de militares, custa a distingui–los, igualmente bravos, igualmente inúteis, e tão inimigos, todos, da festa que em ti, em mim, e nas dunas principia”. Sendo poeta de ideologia assumida, calculo que terá escrito isto antes de Abril de 74, porque se houve consequência óbvia da revolução foi as mãos dadas entre militares e a esquerda. Foi, aliás, muito curioso, como o 25 de Abril abriu os olhos a todo um país, que passou a ver, devidamente focado, que a esmagadora maioria dos militares eram jovens obrigados a guerrear, e não demónios bélicos que sentiam prazer em matar o próximo. Até aí, a instituição militar era vista como a expressão física do fascismo, a força que era imperativo odiar, o maior símbolo da repressão. Em pouco tempo passaram a camaradas amigos do povo. Sou, digo-o já, a favor da existência de Forças Armadas, e acho espantoso o número de vezes que já ouvi gente de esquerda pedir a sua extinção. Obviamente, como em tudo na vida, só defendo um poder que me possa defender, e que não exista para usar a sua força contra os mais básicos direitos de quem não tem armas. Mas, gostando que existam, também defendo que as Forças Armadas só fazem sentido se não detiverem, elas próprias, o absoluto e prepotente poder da decisão. Precisam, pois, de reportar a um poder acima. Só assim farão sentido numa sociedade democrática. E é este ponto que me parece poder ser, ainda, não cabalmente entendido por alguns militares envolvidos no 25 de Abril. Foram essenciais, ou mais do que isso, para fazer cair o regime? Claro que sim. Uma extraordinária coragem de retirar a mira das armas do peito do povo e apontá-las aos opressores, que só entendem essa linguagem. Mas, e a partir daí? Quando começa a fase de construção de um novo país, serão os militares os mais aptos a comandar, a decidir, a estruturar? Terão os conhecimentos técnicos, económicos, financeiros, a destreza política? Alguns militares parecem ainda pensar que sim… À medida que o tempo nos vai afastando mais e mais de 74, os capitães de Abril vão envelhecendo com receio de que nos esqueçamos deles. E a cada novo 25 de Abril fazem questão de nos lembrar quem são, ou, sobretudo, quem foram. O problema é que só sabem actuar de arma apontada. Mais uma vez queriam ditar as regras do jogo. Mandaram dizer que só estariam presentes nas cerimónias no Parlamento se pudessem discursar. A Assembleia disse não. E os militares, revoltados, dizem que assim não vão marcar presença. Tipo birra, depois de tipo pedido-ameaça. O que vem, ainda por cima, somar-se às declarações periódicas de dois ou três, que gostam de insinuar que “isto só ia lá com outro 25 de Abril”, que é como quem diz, pegar em armas e correr os eleitos pelo povo. Como quase todos os portugueses, estou eternamente agradecido pelo que fizeram por este país. Mas também um pouco saturado de os ver, todos os anos, agir como se fossem os únicos donos da data. O 25 de Abril é também de todos os que sofreram sem armas à cintura. E dos que estudam e trabalham para fazer o País continuar.