
Não sei o que vai acontecer esta noite em Turim, mas quero, muito, que o Benfica ganhe. Quero ver os jogadores e o técnico erguerem o troféu perante os aplausos da Europa. Para que se perceba o que hoje quero dizer, quereria o mesmo nas seguintes situações: torceria na mesma pelo Porto, pelo Sporting, Estoril, Braga. Qualquer um do meu país. Olho em volta, ouço comentários na rádio e na TV, dou uma volta pela internet, e percebo que sou ave rara. Enquanto os benfiquistas andam numa natural euforia, grande parte dos que não o são desejam-lhe o pior. Tem sido muito, muito triste, ouvir portistas ou sportinguistas a quem estendem o microfone dizerem bem alto, e com orgulho (de quê?) que são do Sevilha desde pequeninos. Não é tanto a ironia, o sarcasmo nervoso, é o ódio de algumas declarações que me deixa desiludido. Somos isto, como povo: entretidos nas nossas pequenas guerrilhas Norte-Sul, tão patéticas quanto perigosas. Comigo, não contem. Sou português com um crescente orgulho e dedicação. Em qualquer circunstância de qualquer situação, em qualquer competição em que uma equipa portuguesa enfrente uma estrangeira, sou pelos nossos, sem dúvida ou hesitação. Com tudo o que de irracional tem o futebol (ou a cegueira clubística), sou sempre pelos nossos. E causa-me ainda maior estranheza que, como povo, vivamos numa dualidade esquizofrénica. Quando se chega aos clubes, cada um ama o seu e odeia os outros, ao ponto de querer que percam com uma qualquer equipa (até espanhola, que se esperaria serem os nossos maiores rivais…), mas, curiosamente, reparem no comportamento do português perante as notícias do mundo. Já aqui falei disto, com a tristeza pela nossa pequenez: se vem notícia de choque de comboios na Índia, de bomba na Indonésia, a maioria encolhe os ombros. É lá longe, o que é que isso me interessa? Mas se os jornalistas acrescentam que, entre as 300 vítimas há dois portugueses, ou muitas vezes apenas luso-descendentes, qualquer ligaçãozinha aqui com a pátria, logo a nossa atenção se reacende: ai, Jesus, afinal foi uma desgraça… Repare-se: entre as 300 vítimas, seres humanos como qualquer um, haverá crianças que perderam os pais, irmãos que perderam irmãos, mulheres que ficaram viúvas, haverá, quem sabe, gente inteligente e sensível e que poderia fazer a diferença no nosso mundo. Pouco nos importa. A nossa solidariedade só se acende se nos disserem que morreram lá compatriotas nossos, ou que tiveram avós que foram nossos compatriotas, ainda que, quem sabe, desses dois portugueses, um fosse pedófilo e outro batesse na mulher, que fossem seres humanos execráveis, seria por eles que nos emocionaríamos. Se não entendo isto, muito menos entendo que isto, ao menos, não seja um padrão quando chegamos à cegueira do futebol. Por isso, não, não entendo, e não aceito, e traz-me não só tristeza como nojo ou desprezo todos esses que se dão ao trabalho de ligarem para os fóruns das televisões e rádios para que todo o País os possa ouvir a cuspir ódio. Como mete nojo qualquer cachecol do Porto que, em vez de louvar as suas cores, insulta o Benfica. Ou qualquer cartaz do Benfica, que em vez de se preocupar em gozar a sua festa, insulta o Porto. São de facto raros os que sabem perder em Portugal, como são raros os que sabem ganhar. Como são raros os que têm noção de pátria. Precisa-se de grandeza, de honra. Entre os dirigentes, os jogadores, claro, mas sobretudo entre os adeptos.