

1 Foi de mim, ou o horror do abate e queda de um avião inocente cheio de seres humanos foi recebido com relativa frieza na comunicação social? Um jornal português chegou, inclusivamente, a reduzir esse inominável horror a uma nota de rodapé na primeira página. Achou mais importante uma manchete com qualquer coisa mais do BES ou do PS. Sinal dos tempos? Encharcados durante tanto tempo em assuntos comezinhos, irrelevantes, e muitas vezes ridículos, já não sabemos perceber quando uma notícia chocante de impacto mundial nos atinge no estômago? É um horror de dimensões catastróficas quando se pensa que a aviação civil, salvo alguns longínquos e tristes exemplos, parecia a salvo da loucura dos homens cá em baixo em terra. Um ataque que fulmina quase 300 vidas não tem outro nome senão massacre. Foi, por isso, arrepiante ver o tom de algumas reacções. Nomeadamente a do Presidente russo. Sabemos que Putin é conhecido por alguma frieza e contenção, olhar duro e poucas palavras, mas esta era a ocasião por excelência para mostrar uma face humana. As suas declarações, que se limitaram, basicamente, a falar de infortúnio e da culpa dos ucranianos, ou mostram um imperador do gelo que nos deve preocupar ou deixam antever um culpado? O pior nesta altura é ceder a qualquer tipo de especulação, mas fica a sensação que Putin não parecia extremamente chocado. Ou pior, surpreendido. Poder-se-á argumentar que, no limite, os russos não são responsabilizáveis por acções das forças ucranianas que os apoiam e preferem. Mas teria sido decente, no mínimo, ver e ouvir os russos pedirem celeridade na investigação para futura e inclemente punição dos culpados. Não só não foi esse o tom como se seguiu a mais inimaginável cena de um mundo que julgávamos moderno e capaz de aprender com o passado. As equipas de resgate e investigação enviadas para o local da queda, onde centenas de corpos inocentes jazem, foram recebidas a tiro, e assim impedidas de começar a fazer o seu trabalho. Inimaginável, esta prepotência da força bruta e sem lei. Já tem sido penoso e assustador ver como russos e ucranianos conseguem manter um clima de ódio e de ganância territorial nos tempos modernos. Mas é ainda mais assustador e escandaloso que no meio dessa absurda e sanguinária luta comecem agora a massacrar inocentes. E ainda por cima a impedir que as investigações consigam iniciar um trabalho para tentar, pelo menos tentar, encontrar os culpados por esta barbárie.
2 É este contexto de espanto, incredulidade e medo que me apanha a meio das férias, já com pouca vontade de prosseguir. Ainda não consigo ficar imune, mesmo com quase três décadas de profissão. Permitam-me, pois, que ache ainda mais ridículo, pateta e imbecil o relambório do costume das nossas revistas cor-de-rosa, que nos relatam que a Sara rompeu com o Lourenço depois de ter rompido com o Pedro e isto depois de ter atraiçoado a Cláudia, que se encontra agora solteira e portanto disponível, mas que põe de parte a hipótese de dar mais uma chance à relação com o Pedro, e por isso foi vista numa praia algarvia, na companhia de amigas, todas bem-dispostas antes de arrasarem na noite disco, todas a exibir uma invejável forma física; mais os cantores que estão tristes porque foram eliminados dos concurso, mas que prometem não desistir, porque nunca se desiste dos nossos sonhos. E blá, blá, blá. Às vezes dá-me para rir, desta vez, nem isso. O mundo está demasiado perigoso e complicado para sermos apenas descontraídos.