

Aqui há uns bons anos, era novidade, e parecia mesmo que resolvia carreiras ou cumpria sonhos. Desde “Chuva de Estrelas” que muita gente vê na exposição televisiva a oportunidade de demonstrar que tem voz para vingar no mundo da música. E o problema é pensar que ter voz chega, mas já lá vamos. Desde aí, os concursos do género multiplicaram-se, de tal forma que se banalizaram, e tornam tarefa difícil distingui-los: a lista infindável e repetitiva inclui “Ídolos”, “The Voice”, “A Tua Cara Não Me é Estranha”, “Factor X”, e por aí fora, com mais umas variantes para caras “conhecidas” ou imberbes criancinhas-prodígio.
Tornou-se de tal forma banal e repetitivo, que as últimas edições trazem um fenómeno curioso: estes concursos já formaram os seus próprios profissionais. Rapazes e raparigas que vão pulando de um concurso para o outro, apostando que “desta é que é”. Pelo que vejo, “desta é que foi” para Rui Drumond. Sim, lembro-me de o ver e ouvir noutros concursos. Agora venceu “The Voice”. Alegria, alegria. Lágrimas, comoção, finalmente, finalmente. Mas, precisamente: finalmente o quê, afinal? São já tantos os concursos e tantos os vencedores, que já dá para ir fazendo estatística, e retirando conclusões. E a mais fria é que se passa muito pouca coisa depois da euforia da gala vitoriosa, e da chuva de entrevistas a revistas. Muitos dos vitoriosos são chamados também a depor nestas reportagens, e os seus testemunhos não deixam dúvidas. Ou voltaram ao total anonimato ou pouco acima disso. O que parece de difícil entendimento tem afinal explicação prática.
Cantar, melhor ou pior, grandes êxitos de talento alheio pode servir para animar programas de televisão, mas não chega para o futuro que vem depois de a televisão mastigar e deitar fora. Não estou a ver muita gente pagar para ouvir karaoke. E o pequeno grande problema é apenas este, que o produtor Luís Jardim resume bem numa revista. Depois da euforia de ter imitado na perfeição Céline Dion ou os U2, o cantor precisa de material próprio. E a esmagadora maioria, pura e simplesmente, não o tem, nem se adivinha grandes perspectivas de vir a ter. E parecem esquecer-se deste simples facto quando estão muito apostados em pensar que o karaoke lhes vai abrir “finalmente” o caminho da fama. Mas Jardim lembra o óbvio: quem não compõe e não escreve não tem sucesso, o que faz o artista é o tema.
Não é preciso grande capacidade de análise; todos chegámos aos nosso ídolos porque começaram por nos despertar o ouvido com uma melodia e uma letra. Em complemento, basta pensar: quantos dos artistas realmente relevantes se construíram em programas de talentos? Muito poucos. Mesmo muito poucos. Aliás, mesmo neste particular do nascimento via TV, está provado que a “vitória” não é necessariamente o passaporte. Veja-se os casos de João Pedro Pais e Luísa Sobral (não me recordo de mais). Também andaram nos concursos e não venceram. E no entanto (goste-se ou não) compõem e escrevem. E é com isso que têm algo parecido com uma carreira. Senão, ficam apenas artistas da imitação, todos a esgravatar sempre as mesmas músicas.
Drumond, como Bruno Correia, que acaba também de vencer um concurso, como Berg antes deles, anunciam que “estão a preparar um CD”. Aguardemos. Até pode ser que sim. Mas já os vejo sem qualquer foco que não seja aparecer a cantarolar, já vão dizendo que gostariam de fazer um dueto com este ou aquele. Ou seja, encostar-se à fama de outro, agora dois irmãos. Mas de tipo de projeto musical, que tem para dizer ou compor que o venha distinguir, nem uma palavra.