
O futebol português é muito particular. E gosta muito de jogar fora do campo, sobretudo com questíunculas e pretensas polémicas, que normalmente alimentam dias seguidos de páginas dos jornais da especialidade. A última que vi foi particularmente ridícula. Um bate-boca sem sentido, alimentado sobretudo pela irreprimível vontade que José Mourinho tem de se mostrar esperto, naquilo a que o próprio chamou os “mind games”. Consiste, apenas e só, em pretender vencer um jogo cerebral antes dos encontros, ora enchendo o peito para dar confiança aos jogadores, ora fazendo-se de modesto, para encher o peito aos adversários, que pensam que vão encontrar um coelhinho no jogo, e, claro está, encontram uma raposa matreira. Sabemos que é assim, e faz parte da persona que criou, e com lucro: está assegurado o seu lugar na História do futebol, o que não é para todos. Dito isto, nem sempre a coisa lhe sai bem, sobretudo quando se mostra desnecessária, quando dá demasiada atenção a coisas que não a merecem. Pelo que percebi, Mourinho terá elogiado o jovem do Benfica, Talisca, dando a entender que mais cedo ou mais tarde o irá buscar, e que já o tinha debaixo de olho há algum tempo. Chamado a comentar a cobiça de Mourinho pelo seu jogador, Jorge Jesus diz que, a ser sincero, só agora se apercebe do valor real do jogador, porque quando ele jogava no Brasil conhecia-a tanto como conhece…o D´Artagnan. Qualquer pessoa percebe que lhe saiu este nome como poderia ter saído qualquer outro, um nome de fantasia para ilustrar uma ideia. Por razões que me ultrapassam, porque já nem o deveriam preocupar, Mourinho sentiu-se atingido pela resposta. E trata de contra-atacar, em moldes que me parecem excessivamente desagradáveis. Saca da arma habitual, a ironia, para dar os parabéns ao treinador do Benfica, que pelos vistos lê Alexandre Dumas. Refere o nome duas ou três vezes, na mensagem clara de achar estranho que Jesus faça ideia de quem é tão famoso escritor clássico. O comentário é despropositado, e sobretudo desproporcional. Até porque, na verdade, também qualquer um de nós pode ter vontade de desconfiar que Mourinho também não sabe. Quem nos garante que não se foi informar uma hora antes, só para ter o prazer de dar aquela bicada? Mas isso é igualmente irrelevante, até poderia saber. E então? Justifica isso, essa pretensa superioridade intelectual, que desça ao nível de conversa de café, referindo depois os erros de gramática e português que Jesus comete por vezes? A fechar o assunto, Jesus não contra-atacou, deu o assunto por encerrado, elogiando aliás “o Zé”. De todas as pequenas e ridículas polémicas que por vezes se levantam, esta foi, porventura, das mais infelizes. Mourinho não tem necessidade de ironizar desta forma sobre um colega de profissão. Curiosamente, Jorge Jesus disse uma coisa engraçada, mas compreensível, numa das últimas entrevistas na televisão. Mostrou–se espantado por ver e ouvir tanto médico, ou advogado, ou gestor, a dar bitaites sobre futebol. Embora não esteja totalmente de acordo, percebo onde quer chegar. Ser treinador ou jogador, estar 24 horas a pensar no jogo, viver do jogo, e ter que ouvir outros que no intervalo das suas doutas funções acham que percebem do assunto. Mas também é preciso dizer, à luz desta lógica, que se torna por vezes penoso ver e ouvir certas tentativas de jogo de retórica. A malta quer é ver bons jogos, emocionar–se, angustiar-se com um golo sofrido, e explodir de alegria com o golo marcado. Os outros joguinhos não interessam para nada.