
A SIC continuará a ter correspondente em Bruxelas. Ele ou ela será nomeado em breve. Merecerá a nossa confiança, apoio e esperança. Mas dizer isto é diferente de dizer que o Fernando de Sousa será substituído. O seu desaparecimento físico faz-me regressar à velha questão, para a qual encontro pouco apoio, mas que pouco me interessa: não, não concordo que não há insubstituíveis. Desculpem, mas há, e conto já demasiados na minha vida, infelizmente. Pessoas cujo desaparecimento me deixou um vazio que não é preenchido. O Fernando de Sousa entra directamente, sem qualquer cerimónia, para a galeria. Não, não se trata meramente do percurso profissional ímpar. Nunca é, para mim. Conheço muito boa gente que cumpre no trabalho, que pode até mostrar-se mais empenhado que os outros, que pode até evidenciar qualidade crescente. E que, no entanto, perdoar-me-á a expressão, poderá ser um estupor. A minha dimensão de insubstituíveis pede algo mais. Muito mais, aliás. Nenhum medíocre sem dimensão humana me marca a vida, me faz ter saudades, me faz recordar o que aprendi, e quando, e como. Por isso será pouco, embora justo e correto, começar por dizer que o Fernando de Sousa viu, literalmente, erguerem-se os tijolos da construção europeia, que durante toda a vida relatou, e ajudou os portugueses a entender. Sim, o seu currículo é de tal forma vasto, e brilhante, e tão justamente recordado nas últimas semanas, que nem vou por aí, como se costuma dizer. Mas havia, depois, “aquele bocadinho assim”, que separa os homens que deixam saudades dos que simplesmente foram muito eficientezinhos. O Fernando tinha tudo, na sua posição, para se dar ares superiores. Não dava. Tinha tudo para ser um esperto aborrecido, daqueles que só sabem falar de trabalho, e de como são bons a fazê-lo. Não era. Podia, compreensivelmente, fechar-se na concha da sua reputação e da sua idade para argumentar falta de paciência para os jornalistas mais jovens. Muito pelo contrário: era o primeiro a recebê-los com cortesia e simpatia, a passar-lhes contactos, a dar-lhes dicas importantes de comportamento, a guiá-los autenticamente pela mão, a transmitir-lhes um entusiasmo que ele próprio ainda conservava (pormenor tocante e bonito dentro do drama da sua morte: ter morrido a trabalhar…). O Fernando só tem a dimensão que deixa porque foi muito mais do que simplesmente um profissional competente. Era um cavalheiro, esgrimia argumentos com refinado sentido de humor, e, na base, no esqueleto, no essencial, era um homem bom. Já há tão poucos. Só estas pessoas conseguem, por exemplo, imprimir o tom ao seu próprio velório. Houve rostos carregados (era só o que faltava que não houvesse), houve lágrimas mal disfarçadas, houve o embaraço do “que se diz nestes momentos?”. Mas rapidamente o seu espírito nos abraçou. De “volta a casa”, ali deitado depois de uma vida de correria, sei que nos ouviu relembrar as suas frases, as suas aventuras, as suas manias. Ouviu-nos rir, em certos momentos. Que é também uma forma de chorar.