A crónica desta semana será a meias com um amigo meu, o António P.R., que, numa troca de e-mails, me enviou esta deliciosa reflexão: “Eu até gosto de comer. De comer bem, boa comida bem confeccionada. Tenho a sorte de me ter casado com uma miúda que não cozinhava lá grande coisa mas que com o passar dos anos foi cozinhando cada vez melhor e hoje safa-se muito bem com as panelas. Só há um problema: ela papa TODOS os programas que há na TV sobre comida/cozinha/
/culinária. E é impressionante a quantidade de programas deste tipo espalhados pela televisão. Ele são concursos tipo ‘MasterChef’ e ‘Chef’s Academy’, ele são programas de autor do Chakall, Henrique Sá Pessoa, José Avilez, Filipa Martins, Filipa Vacondeus. Nos canais de cabo são de todos os tipos: Jamie Oliver isto, Jamie Oliver aquilo, os pesadelos do canastrão do Gordon Ramsay, a sensual Nigella Lawson, a Lorraine Pascale, a Martha Stewart, o Anthony Bourdain, eu sei lá. Isto já para não falar dos canais de cabo SÓ de cozinha, tipo 24 Kitchen!!! Bem sei que há cada vez mais mulheres no mundo, e não tarda mandam nisto tudo, mas dantes eram elas que se queixavam que nós estávamos o dia inteiro a ver futebol, agora sou eu que me queixo que há mais programas de culinária do que programas de futebol. Vou apresentar queixa ao Provedor da TV!!!!” Não posso estar mais de acordo. Bom, não irei tão longe, e não chegarei ao ponto de apresentar queixa, mas percebo perfeitamente o que diz, de forma bem-disposta: estamos a ser engolidos por modas, e muitas vezes nem os que nos são próximos escapam. Obviamente que o caso da mulher que gosta de cozinha e tem curiosidade de ver ideias novas para o próximo jantar é coisa absolutamente pacífica, mas levou-me para o que tantas vezes penso: as modas e modinhas são tantas, que até já dá para falar dos que aderem a modas que estão na moda, seja qual for o sector. Da tendência do vestuário à música, ao que lêem, ou ao hobby que está a dar que falar. É das zonas mais estranhas para mim, que sempre liguei pouco ou nada ao que me dizem que “está a dar”. Não sou, ainda assim, daqueles do contra permanente, que têm alergia igualmente irrazoável a tudo o que esteja “in”. Conheci o caso extremo de um amigo meu, que adorava uma banda de música, numa altura em que poucos davam um tostão furado por ela. Um belo dia, a banda passou para o estrelato com uma certa canção, e a ser adorada por milhões. O meu amigo ficou furioso, e basicamente deitou fora os discos, porque já não lhe interessava ouvir uma banda que se tinha tornado “comercial”. Não vou tão longe, pois, e até retirei alguma satisfação quando coisas de que gostei antes de outros se tornaram mais famosas e consumidas, uma espécie de “estão a ver como eu tinha razão…?” No essencial, nunca fui, literalmente, de modas. Sei exactamente do que gosto, na roupa, na música, na literatura, no cinema. Sempre defendi o que gosto, quantas vezes contra um coro imenso de discordância. E gosto de quem é assim: gosta do que gosta, e do que não gosta, e assume. Chama-se, no meu livro, personalidade. Pensar pela própria cabeça. Não estar à espera que nos ditem formas de sentir.