Querem o terror pelo terror e vivem na excitação de ter acesso a armas e brincar com as nossas vidas como se jogassem PlayStation
Há que, infelizmente, voltar ao assunto. Não só para digerir o que começou pela tragédia de Paris mas também porque, como seria de prever, a coisa não fica por aqui, certamente. À hora a que escrevo, as autoridades belgas divulgam que abortaram um plano terrorista de larga escala. Os suspeitos acabam de morrer num tiroteio, que faz imediatamente lembrar o dos irmãos em França. Estes, na Bélgica, são do mesmo grupo, mesma raiz, mesmo bando. Auto-intitulados defensores do sagrado Maomé, quando na verdade são, como todo o Estado Islâmico, gente que apostou que nos faria viver em sobressalto. A verdade é que não defendem nada, não professam nada, não têm, aliás, um fio condutor de discurso. Querem o terror pelo terror e vivem na excitação de ter acesso a armas e brincar com as nossas vidas como se jogassem PlayStation. E isto, parecendo ridículo (que também é) é essencialmente perigoso. Porque há aqui um desapego poucas vezes visto, e uma falta de valores que faz adivinhar que não pararão, por exemplo, perante a súplica de um qualquer inocente que lhes vá parar às mãos. Desde as barbaridades que fazem no Iraque e na Síria, passando pela decapitação inacreditável de reféns, que se sabe que não há aqui qualquer hipótese de diálogo. Dialogar com quem, primeiro, se não se conhece qualquer estrutura? E dialogar para dizer o quê, quando eles não agem com um propósito definido, a não ser o de simplesmente fazerem-se temer, e poderem matar sem consequências? O caso belga, tão pouco tempo depois de Paris, faz temer as piores expectativas. Que isto está apenas a começar. E é nesse pressuposto que estou curioso para ver quantos Charlies continuará a haver, de futuro? Porque naqueles dias tão emocionais foi fácil, convenhamos, tirar a foto com o cartaz na mão, e toda a gente era muito corajosa. E não faltou gente, como seria de esperar, que aproveitasse a onda de uma terrível desgraça para se promover. Mas repare–se, com a atenção devida, que o passar dos dias já traz um arrefecimento nos ânimos muito afoitos. Já se ouvem vozes (até sei de meus colegas de profissão…) que dizem que, enfim, foi horrível o que aconteceu, mas também, caramba, não se devia brincar com coisas sérias, como a religião de cada um, blá, blá, mais o costume. Este é, seguramente, o primeiro passo para nossa extinção, para abrirmos a porta ao terrorismo. A mínima “justificação” que se encontre para o massacre de Paris é o princípio do fim, é uma prenda para os criminosos, que saberão farejar o medo e as fragilidades das reacções. Quanto ao “Charlie Hebdo”, o próprio, sorri poucas vezes com as caricaturas. Tem algumas poucas geniais, muitas outras vulgares, forçadas, previsíveis. Mas isso é apenas a minha opinião. Bater-me-ei sempre por viver numa sociedade onde cada um publica o que lhe apetece. E saber viver com os que dizem mal de nós, ou gozam connosco, é a verdadeira coragem. Quanto aos que dizem que não se goza com a religião… desculpem, mas goza–se. É um sinal de inteligência aceitarmos que não pode haver tabus, nenhuns, numa sociedade verdadeiramente livre. Se achamos piada à coisa, isso é outra questão. Mas basta encolher os ombros, não consumir e seguir em frente.