Silêncio e vergonha
A baixa percentagem de vítimas de violência doméstica nos homens reporta apenas os maus tratos físicos. No abuso psicológico há uma percentagem muito elevada, mas é mais difícil de identificar nos homens. “Acompanho vários casos de homens vítimas de violência doméstica. Pertencem a diversas classes sociais. A baixa auto-estima e a vergonha perseguem-nos e reenviam-nos para estados depressivos onde se fecham. Há mais casos de sujeição psicológica e humilhação que violência física. Eles apresentam os mesmos argumentos (que as vítimas mulheres) para se sujeitarem a essa convivência violenta. A profissão, os filhos, a sociedade, a família e os bens patrimoniais”, explicou à tvmais Paulo Sargento, professor de Psicologia Forense.
Deu-lhe comprimidos e asfixiou-o
Em Outubro de 2014, Marlene, 37 anos, foi condenada a 20 anos de prisão no Tribunal de S. João Novo, no Porto. Drogou o marido com comprimidos na comida e depois asfixiou-o. Ela e o amante embrulharam o corpo num saco-cama e levaram-no de carro. Depois queimaram o corpo e atiraram-no por uma ribanceira da Estrada da Marginal (EN108), em Atães, Gondomar. A mulher queria acabar com o seu casamento sem ter de pedir o divórcio e enfrentar uma luta pelo poder paternal da filha, de 11 anos.
Como são eles
Os homens agredidos em ambiente de violência doméstica têm entre 18 e 89 anos. 61,5% eram casados, 16,7% divorciados. Em relação à escolaridade, 24,6% tinham o 9o ano e apenas 8,4% tinham frequentado a universidade. 13% destes homens estavam desempregados quando foram agredidos. Em 220 daqueles casos houve problemas de consumos de álcool ou drogas e 5,9% apresentavam distúrbios psiquiátricos. 45% dos homens já tinham sido agredidos ou abusados em criança. É o que se apura no estudo a que a
tvmais teve acesso, realizado no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) em Lisboa. No universo das 5250 vítimas de violência doméstica avaliadas em sede de clínica forense (de 2007 a 2010), 18% eram homens.
Quanto tempo
Em 81,9% dos casos, os abusos e agressões ocorreram ao longo de pelo menos cinco anos. As vítimas (os homens) não reportaram os abusos em 73% dos casos. Por vergonha, apenas 8,1% dos homens agredidos seriamente foram ao serviço de urgência receber cuidados médicos.
As agressoras
Este problema de saúde pública comportamental atravessa todos os tipos de relações, incluindo as relações homossexuais. As agressoras têm em média 38 anos. 30% apresentaram histórias de consumo de substâncias, 63,9% eram casadas e apenas 3,9% eram namoradas. 64% das agressoras coabitavam com a vítima entre um a 15 anos. 48% estavam separadas pelo menos há um ano. Quanto aos maus tratos, 77,8% eram psicológicos e 30,5% eram físicos.
Como é que elas agridem
Em 76,6% das agressões reportadas, as vítimas apresentam lesões. Metade das vítimas apresentava contusões localizadas nos membros superiores e na face, mas apenas 2% ficou com sequelas físicas permanentes. 16,6% foram alvo de instrumentos contundentes. Em relação ao abuso psicológico o mecanismo mais comum foi a humilhação e o insulto. Algumas vítimas descrevem ameaças com armas brancas e revelam recear pela vida.
Só homens
Há poucas mulheres a cumprir pena por violência doméstica. As que estão nessas condições cumprem penas de homicídio, como é o caso da socialite Maria das Dores, que mandou matar o marido. Nenhuma está em reabilitação. Homens a cumprir pena por violência doméstica há cerca de 800.
A viver com a vítima
Um em cada cinco agressores (homens) ainda vive com a vítima. Alguns são sujeitos ao Programa para Agressores de Violência Doméstica da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Nenhum por espontânea vontade, todos por ordem judicial. A maioria das vezes aceitam o programa para conseguir uma suspensão provisória do processo ou da pena de prisão.