Tenho sentimentos díspares sobre a chamada “presença portuguesa” nos Jogos Olímpicos. Oscila, digamos assim, entre o orgulho, o carinho e a irritação. Este ano foi atípico, o que reforça a minha tendência para a confusão sentimental. Como tantos de nós, tenho andado profundamente patriota, mais do que o costume. Afinal, caramba, vi finalmente a nossa seleção levantar o caneco europeu. E nessa mesma semana mágica, se bem se lembram, por feliz coincidência, houve de repente um magote de proezas do desporto nacional, nas mais variadas modalidades. Destaco, acima de tudo, uma outra campeã europeia, Patrícia Mamona, bem como os excelentes resultados das fundistas, como Sara Moreira, Jéssica Augusto ou Dulce Félix. Mais os nossos canoístas. Mais aquele miúdo do lançamento do peso. Para já não falar de Telma Monteiro. Do Nélson Évora, apesar das terríveis lesões. E ainda o rapaz do taekwondo. Ah, e não esquecer o gabarito actual dos nossos miúdos do ténis de mesa. E a propósito, o actual currículo do nosso melhor tenista, João Sousa. Bom, fiquemos por aqui, mas isto já dará, certamente, para se perceber que, se havia ano em que se justificava termos expectativas altas, era este. E digo-o com a convicção de quem tem 30 anos de carreira e começou, precisamente, pelo jornalismo desportivo: vi muitos Mundiais, Europeus e Olímpicos. Nunca as estrelas no firmamento estiveram tão alinhadas para as cores nacionais. E, afinal foi o que se viu… E agora começa a minha dúvida sentimental. A primeira tentação é desculpar, verbo tão português. A euforia do Europeu de Futebol dá para ser mais magnânimo do que o costume. Perante os sucessivos desaires, dizer e pensar que deram o seu melhor, que tiveram azar, que foi só por um bocadinho. Mas lembro-me depois que essas desculpas e argumentos são coisa do antigamente, quando já partíamos quase derrotados para os Jogos, com fracos resultados na bagagem, quando perder, redondamente, nos parecia normal. Eram os anos em que as proezas eram excepções, saborosas excepções: Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernando Mamede, Fernanda Ribeiro. Mas, caramba, e agora? Agora temos uma série nunca vista de atletas de classe mundial, que aliás vão provando, com resultados concretos. Nada de apenas vitórias morais, como sempre acontecia. Por isso, sim, desculpem-me os atletas portugueses, temos a tentação de sonhar mais alto, de esperar mais. E é aqui que chocam o que os nossos atletas hoje valem com o seu discurso, que parece vir ainda do tempo em que éramos coitadinhos. Que não se consiga o resultado esperado é uma coisa, mas lamento ter de ouvir uma atleta dizer que sofreu muito, que estava muito calor, que as adversárias afinal eram muito fortes. Então e só estava calor para nós? E encontrar adversárias fortes nos Jogos Olímpicos é uma surpresa? Poucos dias depois, um outro atleta português, que é só vice-campeão da Europa, dizia, antes do seu combate, que isso dos currículos não interessa nada. Primeiro, soa a justificação antecipada por derrota anunciada. E depois, perdão?… O currículo não interessa? Porque será, pergunto, que no futebol se receiam os alemães, e todos os velocistas sentem que vão perder com o Usain Bolt? Talvez pelo… currículo? A diferença é que os campeões não só chegam lá acima como lá permanecem. É preciso trabalhar mais, sem dúvida. Sobretudo a mentalidade.
E lá se foram mais um Jogos Olímpicos
Tenho sentimentos díspares, que variam entre orgulho, carinho e irritação.