A sentença foi proferida na semana passada por um colectivo de juízes do Tribunal de S. João Novo que deu como provadas as humilhações que a directora pedagógica de um lar paroquial infligiu a diversos bebés.
Tortura
Batia naqueles que sujavam a fralda ou a roupa, castigava-os, obrigando-os a permanecer sentados ou impedindo-os de brincar. Bastava que derramassem o leite ou se demorassem a comer. Nem sequer podiam ouvir as histórias em conjunto com os outros meninos. “Não vale a pena porque são burros”, dizia ela às auxiliares. Usava as mãos ou um chinelo para agredir as pequenas vítimas. E também usava o “método” do quarto escuro.
Testemunhas
A directora pedagógica do lar paroquial foi denunciada pelas próprias auxiliares da instituição, que dela dependiam em termos hierárquicos. Foram esses testemunhos que levaram os juízes do Tribunal de S. João Novo a sustentar a condenação. Para os juízes, todos estes maus tratos ficaram provados, demonstrando que a directora pedagógica agredia e humilhava as crianças “muito novinhas”, em vez de lhes dar “amor e carinho”.
Vai tratar de idosos
Sabe-se que esta directora pedagógica do lar paroquial vai agora passar a trabalhar com idosos, o que levou a magistrada judicial a reiterar os avisos: “Se é complicado lidar com crianças, muito mais é cuidar de idosos… Não vai presa, mas fica com a espada em cima da cabeça”. Sem mais impedimentos…
Outra directora de lar infantil condenada
Começam a vir a público diversos casos de abusos em lares. Na região de Reguengos de Monsaraz, a directora de um lar, especializada em educação infantil, foi condenada a nove anos de prisão por crimes cometidos em cumplicidade com outros funcionários entre 2008 e 2014. Tem 37 anos, é divorciada e foi acusada de 11 crimes de abuso sexual de menor dependente, quatro crimes de maus tratos e três crimes de peculato e em co-autoria de três crimes de maus tratos, e dois de sequestro agravado.
Silêncio
Condenada a nove anos de prisão, no final da leitura do acórdão, nem a directora condenada nem os seus advogados prestaram declarações. Uma das funcionárias do lar foi condenada a dois anos de prisão, com pena suspensa, pelo crime de maus tratos. Ambas podem recorrer para o Tribunal da Relação de Évora. Além dos nove arguidos, o processo contou com cinco demandantes e dois assistentes, todos jovens da instituição e sessenta e seis testemunhas de acusação, entre os quais 21 jovens utentes do lar.
Investigação
Os crimes ocorreram entre 2008 e 2014. A investigação do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Évora levou à detenção da directora em Abril de 2015. Dois meses depois o lar foi encerrado. Esta directora assumiu a responsabilidade técnica do lar em 2009 e exerceu funções até 15 de Abril de 2015. Com 35 anos, psicóloga, divorciada, desde finais de 2009 que passou a ser visível o contacto muito próximo e privilegiado que tinha com um menor, na altura com 14 anos. Correram rumores da ligação entre a directora e o jovem, o que levou à degradação das relações entre educadores e educandos. Tratava-o de forma diferente, com um rol de privilégios de que estavam totalmente arredados qualquer um dos outros menores. Comprava-lhe roupa, levava-o de férias com ela…
Horror extremo…
Alguns jovens foram alvo de agressões e de castigos, desde ficar privados de comida, água quente, dinheiro e liberdade. Um rapaz de 15 anos, potencial suicida, foi tratado com alegada brutalidade pela diretora técnica. Como castigo por ter fugido do lar, foi fechado na despensa de 16 metros quadrados e uma janela interior durante vários dias, obrigado a urinar para um copo. Apenas saía do “buraco” algemado. Este cativeiro durou de Maio a Julho de 2013, segundo o despacho de acusação do Ministério Público. Outra vítima foi uma rapariga de 12 anos, frágil e com défice de atenção, que era amarrada de braços e pernas com lençóis e amordaçada para não falar e gritar enquanto a directora e as técnicas a esbofeteavam na face, tendo sido ainda fechada numa arrecadação sem janelas por dias inteiros.
Orfanato do século XIX
O ambiente descrito na acusação sobre o lar remete para os orfanatos vitorianos e para os contos de Charles Dickens. Crianças esbofeteadas, fechadas em despensas durante dias, humilhadas, insultadas de “burros e deficientes” e privadas de refeições como castigo. O adolescente preferido da directora sentia estar acima de qualquer punição e maltratava os outros. Terá chegado a queimar outras crianças com cigarros, a exibir navalhas ou a arremessar cadeiras contra o corpo de alguns menores. Nenhuma das técnicas o castigou por tais actos, sublinhou a acusação. A directora técnica protegia-o e dava-lhe dinheiro, telemóveis e peças de roupa. Chegou a levá-lo à praia a passear. Apenas participou dos comportamentos do rapaz quando este se recusou a continuar o relacionamento que tinham…
Segurança Social sabia
Um relatório da inspecção do Instituto da Segurança Social ao lar, em 19 de Dezembro de 2012, avisou que “não é possível garantir a segurança, mesmo ao nível da integridade física das crianças mais pequenas”. Nada alterou o rumo de gestão do lar. Ao longo de seis anos, a directora técnica revelou “uma insensibilidade, impiedade e severidade crescentes”. No livro de atas, em 2008, Vânia Pereira ordenou à equipa que tratasse os menores como “pessoas doentes”, devendo estes ser “empurrados para baixo do poder para aprender quem mandava”.