Por razões que para aqui não interessam, o quando ou como, senti na pele, recentemente, a dimensão a que chega a mentalidade de vistas curtas, que se manifesta na mais absoluta falta de sentido de humor. O humor, penso que já o disse, não só é das mais necessárias coisas desta vida como é coisa muito séria. O sentido de humor está diretamente ligado à inteligência. Penso que, verdadeiramente, não sobrevivem um sem o outro, ou pelo menos onde está um, normalmente se encontrará o outro. É interessante verificar que o sentido de humor tem várias dimensões, vários degraus. Dito de outra forma, há pessoas que nos enganam, que aparentemente o têm, até que chega uma qualquer situação que as faz recuar. Momentos em que dizem: a isto já não acho graça. É normal, humano, aceitável e compreensível. Até eu, que considero ter uma latitude muito larga, chego a momentos em que não me apetece rir, que acho uma demasia. Todos temos a nossa fronteira, e não julgo ninguém por isso. O problema que me traz aqui hoje é verificar, em tanta gente, que essa latitude é demasiado curta e estreita, o que normalmente quer dizer vistas curtas e estreitas. São, normalmente, pessoas que querem confinar o humor a uma dimensão que é, em meu entender, demasiado castradora. Há pessoas que só entendem ou aceitam um humor domesticado, daqueles que não fazem mal a ninguém e que, sobretudo, não ofendem ninguém. E esta questão da ofensa faz-me muita aflição. Porque foi à base de pessoas que se ofendem muito que nasceram e se perpetuaram enormes censuras da liberdade, ou mesmo regimes totalitários. As pessoas que se ofendem muito, e por tudo e por nada, proclamam quase sempre estar do “lado certo” das mentalidades, são guardiões dos bons costumes, das decências. Repare-se na quantidade de pessoas que acha que tem graça e gosta de piadas, desde que não sejam sobre religião ou sexo, ou desde que a piada não recorra ao palavrão. Desde que, em suma, uma piada não cometa uma transgressão de uma qualquer regra. Ora, isso… é cortar as pernas à sua natureza. A piada percorre o caminho difícil do incorrecto, é essa a sua natureza, senão não lhe chamem humor. No caso de que falo, e que não interessa especificar, acontece que uma piada (e boa, por sinal) recorria a uma foto de uma rapariga bem torneada, em trajes menores. A reacção de que falo é daquelas que definem, para mim, a verdadeira ausência de sentido de humor: quando nem se consegue descobrir a piada, quando as pessoas se concentram, apenas e só, num qualquer pormenor, que as impede de observar a situação no seu todo. E o todo do humor, como o entendo, é apenas um: tem piada ou não? Porque o resto é acessório que não é chamado ao caso, se a piada inclui mulheres ou homens desnudados, ou padres ou freiras. No caso de pessoas que se ofendem com qualquer piada que inclua a voluptuosidade de uma mulher, e que imediatamente puxam da argumentação de que a mulher não é um pedaço de carne, que a piada rebaixa a sua condição, que é machismo pré-histórico, etc., gosto sempre de pensar que a vida as pode apanhar desprevenidas. As que julgam ver demónios nos pobres humoristas, e depois não percebem, por exemplo, que vivem com homens que são muito santinhos, muito santinhos, não fazem mal a uma mosca, muito respeitadores de tudo e de todos, maridos perfeitos. E que depois têm pornografia infantil no computador, ou uma amante em cada cidade. Conheço tantos casos, tantos. Alguns davam boas piadas.
Rodrigo Guedes de Carvalho: O humor e os santinhos
No caso de que falo, acontece que uma piada (e boa, por sinal) recorria a uma foto de uma rapariga bem torneada