Ana Rocha de Sousa foi a vencedora dos Prémios Activa Mulheres Inspiradoras na categoria Artes, e durante a cerimónia de entrega da distinção, que se realizou esta quinta-feira, dia 27, no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, fez um discurso revelador. A atriz e realizadora de 42 anos subiu ao palco visivelmente emocionada e relatou um testemunho impressionante. Ana Rocha de Sousa disse, pela primeira vez em público, que foi vítima de uma violação quando tinha 17 anos.
“Não existe uma mulher que não tenha tido medo de atravessar um parque escuro à noite, ou qualquer outro sítio mais óbvio de perigo eminente”, introduziu, afirmando, de seguida, que manter este estado de alerta constatemente é impossível. E que o pior pode acontecer quando se baixa a guarda, mesmo junto de alguém em que se tem confiança. Foi o que lhe aconteceu.
“Arrependo-me de muito pouco na vida, mas lamento ter guardado a história que tenho cravada por contar. A ti, menina, mulher, adolescente, eu digo: não tens culpa. Lembra-te e repete: não tens culpa. A ti, tenho imenso para dizer que pode ajudar. Escreve, se te fizer algum sentido, o que acabo de contar“.
A atriz dirigiu-se também aos pais das vítimas, recordando que “é preciso aceitar que a vida nem sempre nos permite estar, proteger e prevenir”. De seguida, deixou algumas palavras ao críticos do movimento contra abusos sexuais #Metoo, que começa a ganhar alguma expressão em Portugal.
“Aos inconsequentes que reviram os olhos a estas meninas-mulheres que falam, estas que se chegam à frente, parem imediatamente de se enfadar. Isto não é para brincadeiras. Não são jogos de brincar. Parem já de exigir detalhes a quem, por lei, não os pode revelar. Mais ainda: parem de viver como se alguém no seu perfeito juízo queira ser notícia com isto ou ter o rosto colado a estas dores; a estas tristezas. Saibam que a culpa, a vergonha, nos é imensamente dura e que a última coisa de que precisamos é cobrança, acusação, mais dor ou qualquer réstia de julgamento“.
Por fim, num ato de coragem, a realizadora dirigiu-se diretamente ao seu abusador.
“A ti, assediador, violador. Sejas tu um outro, uma patrão, um homem da duna ou um cantor famoso. Fui ensinada a desejar o bem. O bem te desejo. Não pretendo nunca destruir a vida de ninguém. Jamais. Quero acreditar que passados mais de 25 anos és outra pessoa. Esperemos que sejas diferente e muito melhor. Quero acreditar que deixaste de fazer uso da tua fama para assediar e aliciar teenagers para o teu universo sexual, violento, louco e promiscuo. Quero acreditar que fui a única a ser forçada a crescer bruscamente sozinha na vergonha da minha culpa. Que assim tenha sido. Oxalá que assim seja. Repito: nem sou capaz de te desejar mal. Compreendo que só uma alma muito dorida, perdida e atormentada faz o que tu sabes que me fizeste. Ouve bem: nunca mais voltes a fazer. Nunca mais voltes a fazer“.
Ana Rocha de Sousa completou o discurso com uma frase que, a seu ver, lembra aquilo que é mais importante: “Nós somos magoados, mas também são as pessoas que nos salvam. Obrigada, revista ACTIVA. Obrigada por me ouvirem”, terminou, tendo recebido uma ovação de pé do público.