Ainda no ar como o sofrido Joaquim de “Nazaré”, Rogério Samora já grava “Amor, Amor”, a nova novela da SIC, em que vai ter um papel surpreendente. Entusiasmado, recorda o passado em que dizia muitas coisas sem pensar e fala sobre o que mudou na sua forma de estar.
Já está dedicado ao Cajó de “Amor, Amor”. Quem é este homem?
É uma personagem com que qualquer ator fica contente quando é convidado para desempenhar. Temos de perceber que a novela se passa num ambiente pequeno, onde quem tem olho é rei. Este tipo acha que é de facto o rei de Penafiel, o Bryan Adams de Penafiel, é um engatatão, um mitra, um gigolô e vai-se safando, fazendo umas maldades.
Não é muito boa pessoa…
De todo! Acha-se muito engraçadinho, mas vive em função do seu umbigo, não respeitando ninguém, sendo muito dissimulado, mentiroso. Ele é como um ATM, onde as pessoas precisam de meter dinheiro para depois levantar. Ele precisa de alguém que o sustente para poder exibir-se. Não tem muito respeito pelas mulheres, vou ser mauzinho para elas… Não há qualquer violência física sobre elas mulheres – e ainda bem, porque acho que já há tanta na nossa vida real e à nossa volta. Exerce, sim, violência emocional, porque julga que todas lhe têm de achar graça e ser dele.
Como foi a sua preparação?
Tive duas aulas com um baixista, porque ia tocar baixo, e quando entrei em plateau deram-me uma guitarra e nunca tinha pegado numa elétrica. E aí tive a ajuda preciosa do Ivo Lucas, que fora do palco me foi dirigindo e disfarcei bem. Às vezes há imprevistos que temos de solucionar.
Esta novela fala das tradições populares e têm o Toy como produtor musical. Como tem sido trabalhar com ele?
Ele sabe qual é a tecla em que se carrega para a música entrar no ouvido. Disso não tenho dúvidas! Não posso ouvir aquela música do genérico à noite, porque depois acordo várias vezes a cantá-la, entra no ouvido e para isso é preciso talento. O Toy é um talento, para além de ser uma extraordinária pessoa. Para além dele, entre outras, tivemos a Ruth Marlene, a Mónica Sintra, com quem tive oportunidade de trabalhar e que trato como brother (em vez de sister, que seria mais correto), porque o Cajó conhece toda a gente. Até acha que ela é alguma coisa por causa dele. Ele é um grande cromo, mas um cromo perigoso.
Foi um presente, depois do Joaquim de “Nazaré”?
Foi. Bolas para o Joaquim! O que aquele homem sofreu por amor. É muito engraçado, são dez anos aqui na SIC, sete novelas, e todas elas foram um presente. E devo dizer uma coisa: quando não são presentes, ou são presentes meio envenenados, eu transformo-os em bons rebuçados. Mesmo assim, não houve nenhum, não tenho razão de queixa. Sou mesmo feliz com o meu trabalho. Gosto mesmo muito de trabalhar. Acordar para ir trabalhar, independentemente se durmo duas horas, três, quatro.
E entrega-se muito.
Entrego, continuo a levar este trabalho a sério, porque fui educado pelo meu pai assim. É um bocadinho a filosofia chinesa: “Se queres ser alguém, tens de trabalhar”. Nunca me foi dito isto assim, mas desta forma: “Se queres ter dinheiro, tens de trabalhar”. Então sempre fui educado a trabalhar. Gosto mesmo muito de trabalhar. Embora também goste de uns períodos de pausa, mas tem, talvez, a ver com o excesso de trabalho que tenho tido ultimamente, porque nunca parei, nem durante o confinamento.
Já abandonou a ideia de deixar de ser ator?
Já, já. Por vezes, digo coisas sem pensar e depois isso é interpretado como “estou a chamar à atenção”, já nem ligo. Às vezes, falo é com o coração nas mãos e digo tudo o que me vem à cabeça e com a idade tenho refreado um pouco isso. Hoje, já penso mais antes de falar e também penso que o que se diz entra na internet e nunca mais de lá sai. Acho que foi excesso de cansaço que me fez ter esse desabafo. Olhem, às vezes, já nem sei onde é que está o palco, se está na vida, se não. Por exemplo, vim do fim da “Nazaré”, fiz dois filmes, fui trabalhando para esta novela, vou fazendo locuções…
Aparecem as propostas e não consegue dizer não.
Tenho alguma dificuldade em dizer não. Mas agora já o digo mais. Por vezes, não justifico é porque é que estou a dizer que não, porque sei que pode magoar o outro lado e não gosto que isso aconteça.